Parlamento toma decisão inédita e aprova três comissões de inquérito ao Novo Banco

No futuro, as propostas do PS, BE e IL serão fundidas num só texto e numa só comissão.

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O Parlamento irá trabalhar para haver apenas uma comissão de inquérito ao Novo Banco Nuno Ferreira Santos

As propostas do BE, PS e Iniciativa Liberal para a criação de uma comissão de inquérito aos prejuízos do Novo Banco foram aprovadas na Assembleia da Republica, esta sexta-feira, numa decisão que é inédita por ser em simultâneo. O texto de cada proposta será agora fundido num só documento para que haja apenas uma comissão.

O BE conseguiu unanimidade para a sua proposta de inquérito, mas as propostas do PS e da Iniciativa Liberal também foram aprovadas com os votos favoráveis de todas as bancadas à excepção da bancada do PSD (que votou contra em ambos os casos).

Só a proposta do Chega para um inquérito ao financiamento de campanhas políticas por parte do Grupo Espírito Santo foi chumbada, com os votos a favor do CDS, PAN, BE e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues, os votos contra do PSD e do PS e a abstenção do PCP, PEV, Iniciativa Liberal e de Joacine Katar Moreira.

Depois da votação, o presidente da Assembleia da República em exercício, Fernando Negrão, assinalou que a aprovação de três comissões de inquérito sobre o mesmo assunto “é a primeira vez que acontece” e colocou à consideração das bancadas a forma de transformar as iniciativas numa só. Esse trabalho costuma ser feito em comissão, mas como salientou Telmo Correia, líder da bancada do CDS, “não há nenhuma comissão especializada em comissões de inquérito”. Por sugestão do social-democrata Duarte Pacheco, os serviços parlamentares vão “somar” os vários pontos das três propostas num texto só que será validado por todos em conferência de líderes e que depois será assinado pelo Presidente da Assembleia da República.

Foi aprovada a proposta do BE que incide sobre os “prejuízos do novo banco imputados ao fundo de resolução”; a proposta do PS que incide sobre “as perdas registadas pelo Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução” e a da IL que visa as “razões dos prejuízos do Novo Banco”.

Em causa está sobretudo o período temporal em que o inquérito visa: os socialistas querem voltar à gestão do BES (sobre a qual já existiu uma comissão de inquérito) enquanto os bloquistas pretendem centrar-se a partir da criação do fundo de resolução, passando também pela venda à Lone Star e às vendas de activos. Já a Iniciativa Liberal também é abrangente e recua até ao período do BES, apontando também a necessidade de analisar a auditoria da Deloitte.

Durante o debate que decorreu esta sexta-feira, os socialistas garantiram que querem abranger também os anos mais recentes da instituição. “O PS quer conhecer a história toda: a resolução e a venda”, disse o deputado Fernando Anastácio, acusando a deputada do CDS de omitir citações de Passos Coelho sobre o “lucro” que o Novo Banco ia gerar com a resolução de 2014. Momentos antes Cecília Meireles tinha recordado que o Governo do PS assegurou, em 2017, que “não havia encargos” com a venda do Novo Banco. “Aqui estamos três mil milhões de euros depois, com injecções em Orçamento do Estado aprovados por PS, PCP, BE e PEV”, disse, apontando que é preciso apurar “o que está a acusar prejuízos ainda hoje em dia.”

A bloquista Mariana Mortágua defendeu que a auditoria da Deloitte ao Novo Banco tornou a comissão de inquérito “mais necessária” e assegurou que a sua proposta não serve apenas para apurar responsabilidades do passado. “Queremos que se investigue para pôr termo ao abuso e travar a sangria de recursos que está em curso. É por isso que a levamos tão a sério”, defendeu.

Como já tinha sido anunciado por Rui Rio, o PSD assumiu concordar com a proposta do BE. “Não estamos disponíveis para voltar ao BES”, disse Hugo Carneiro, referindo que o período abrangido deve incidir desde a resolução até aos dias de hoje em que se assiste “à venda de activos com desconto, da venda da companhia GNB Vida por muito menos, de activos imobiliários e suspeições de conflitos de interesses”.

Em tom crítico, a líder da bancada do PAN deixou no ar algumas perguntas sobre a gestão e fiscalização ao Novo Banco, nomeadamente sobre a venda da GNB Vida com desconto de quase 70%. “Se o Estado não financia os saldos da feira de Carcavelos porque há-de financiar estas vendas ao desbarato da Lone Star, que ainda por cima estão envoltas em tantas dúvidas e suspeitas?”, questionou, lançando também a questão do aumento da dívida da empresa Promovalor, ligada a Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica.

À esquerda do PS, o deputado Duarte Alves mostrou abertura para a comissão de inquérito, mas com um aviso. “Participaremos nos seus trabalhos, como sempre, para que sejam apurados os factos e as responsabilidades políticas. Não contribuiremos para que a comissão de inquérito sirva para que PS, PSD e CDS encubram, com encenações de estupefacção, indignação e passa culpas, ou em busca de bodes expiatórios, as suas responsabilidades em todo este processo”, disse. Na mesma linha, o ecologista José Luís Ferreira também defendeu a necessidade de apurar responsabilidades desde a criação do fundo de resolução em 2014.

A discussão em torno do inquérito ao Novo Banco acabou por levar a uma troca de acusações entre a bancada do BE e o deputado do Chega André Ventura. Mariana Mortágua acusou vários elementos do Chega de estarem ligados a negócios do universo BES. “O senhor deputado não é só um político do sistema é do pior que o sistema tem”, apontou a bloquista. André Ventura respondeu (num outro debate por já não dispor de tempo no ponto em causa), referindo que o seu partido está em terceiro lugar nas sondagens e que não tem “nenhum dirigente preso por cultivar droga” nem que “andou a vender casas pagas pela Segurança Social” numa referência ao caso Robles.

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