A co-gestão da apanha de percebes nas Berlengas mais perto de deixar de ser um acordo de cavalheiros

Decreto-lei que regula a pesca foi publicado esta quarta-feira. A co-gestão foi regulada, mas criação das comissões que a gerem fica dependente de uma portaria, o que pode atrasar o processo.

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A apanha de percebes nas Berlengas está a ser feita segundo o regime de co-gestão DIOGO VENTURA

A co-gestão que, há já alguns anos, está a ser aplicada na apanha de percebes nas Berlengas, foi finalmente regulada, com a publicação, esta semana, do decreto-lei que define o exercício da pesca comercial. Uma boa notícia para a ANP/WWF - Associação Natureza Portugal/World Wide Fund for Nature, que há muito esperava por este diploma, mas que não resolve tudo. “Agora precisamos o mais rapidamente possível de um calendário de implementação, para que o processo seja célere”, explica a bióloga Rita Sá, coordenadora de Oceanos e Pescas da ANP/WWF.

A questão, explica, é que o decreto-lei n.º 73/2020, de 23 de Setembro, que regula o regime de co-gestão, prevê que cada comité de co-gestão seja criado mediante uma portaria. Ora, tudo isto, diz Rita Sá, são processos “muito longos e que demoram muito tempo”, pelo que o receio da associação que esteve na origem da criação do projecto Co-Pesca 2, é que este regime de co-gestão em vigor nas Berlengas, financiado pelo Mar 2020, que tem funcionado “como um acordo de cavalheiros” e termina em Fevereiro do próximo ano, chegue ao fim sem que estejam criadas todas as condições para ser formalizado. “Em processos como este, o mais importante são as expectativas das pessoas, porque elas criam expectativas, esperanças, transformam muitas formas de estar. Se não se avançar vai deitar tudo por terra. E todos os envolvidos, não só os pescadores, gastaram aqui muito tempo, muito suor e lágrimas, e têm uma expectativa muito grande de que isto corra bem”, diz a bióloga.

Depois de a WWF ter desenvolvido vários projectos de gestão partilhada por todo o mundo, a possibilidade de se aplicar esse sistema nas pescas nacionais começou a ser desenhado em 2014. Nessa altura, nasceu o projecto Co-Pesca com a avaliação de potenciais alvos na zona Peniche-Nazaré. Acabou por se escolher a apanha de percebes nas Berlengas e o Co-Pesca II tem desenvolvido esse projecto, que integra 40 mariscadores, cientistas do Instituto Politécnico de Leiria e da Universidade de Évora, ambientalistas da ANP/WWF (que aparece, nesta fase, como “facilitador” do processo, esclarece Rita Sá), da Arménia e da Pong-Pesca e representantes do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, da Direcção Regional dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marinhos, da Autoridade Marítima, da Fundação Oceano Azul, da Unidade de Controlo Costeiro da GNR, da Docapesca e do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Em conjunto, definem os limites da apanha de percebes, garantindo a sustentabilidade da espécie.

Até agora, processos deste género na pesca, assentes na co-gestão, não estavam regulamentados em Portugal, mas o novo decreto-lei, aguardado “há dois anos”, como refere a bióloga da ANP/WWF, abre a porta a que seja mais fácil a implementação de conceitos similares noutras zonas do país. Para isso, são necessários três critérios básicos, defende Rita Sá: “Que exista vontade dos pescadores, do Estado, em querer partilhar o poder na tomada de decisão, e dos cientistas, de quererem partilhar o conhecimento, assumindo que os pescadores também têm um conhecimento muito importante para a tomada de decisão”, diz.

Por enquanto, a associação está já a preparar o arranque de um novo projecto assente na co-gestão, o ParticiPesca, voltado para a pesca do polvo em todo o Algarve. “Estamos a começar este mês e o projecto vai até 2022. Mas aqui estamos a falar [além de outros parceiros] de 14 associações de pescadores e mais de 700 pessoas. É uma dimensão completamente diferente”, diz. Mas o futuro não pode parar por aqui, defende a bióloga: “Gostávamos muito de levar esta metodologia para áreas marinhas protegidas e não só para pescarias. Faz todo o sentido, porque não se pode ter conservação sem envolver as pessoas.” 

Rita Sá não se mostra confiante em conseguir ver o comité de co-gestão das Berlengas pronto, antes do final do projecto, apesar de já terem sido enviadas ao Governo propostas de estatutos e de portaria deste novo organismo, mas nem assim desiste de apelar a que haja celeridade da parte do poder político neste processo. “Temos de arranjar formas de não deixar este grupo morrer, enquanto isto não se define. Em projectos como este, o que queremos sempre é deixar o trabalho bem feito, criar massa crítica para que depois ele possa seguir sozinho e ir crescendo. Era bom ter um calendário de implementação [do comité, definido por portaria]”, apela. 

O decreto-lei que foi publicado esta quarta-feira, e que entra em vigor a 1 de Janeiro de 2021, também estabelece que passa a ser “interdita a captura, manutenção a bordo, descarga e comercialização de corais da espécie Corallium rubrum”, o coral vermelho, muito ameaçado pela pesca ilegal.

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