Quando a política pública de ambiente não tem impacto no ambiente

Que não haja dúvida: a habitação é responsável por 30% da energia consumida em Portugal e o Estado tem responsabilidade na redução das emissões de dióxido de carbono do país.

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DIOGO VENTURA

Tentativa 1

O programa Casa Eficiente 2020 (2018-2021) visa melhorar ambientalmente edifícios de habitação particular e disponibiliza 200 milhões de euros na forma de empréstimos bancários, 50% do Banco Europeu de Investimento e 50% de bancos comerciais. Na prática, as elevadas taxas de juro aplicadas pela banca e o próprio facto de serem empréstimos têm ditado a falta de atractividade do programa. “Não correu como é necessário que corra", nas palavras do ministro do Ambiente.

O montante e a abrangência alargada das intervenções elegíveis a nível energético, hídrico e dos resíduos parecem demonstrar conhecimento da ordem de grandeza das intervenções e dos investimentos necessários. Contudo, sabendo que há famílias sem disponibilidade económica para efectuar obras de melhoria nas suas habitações e que 19,4% não consegue suportar o custo do aquecimento no Inverno, como se espera que tenham capacidade para aderir ao programa e pagar uma prestação bancária adicional durante anos? O Casa Eficiente 2020 desresponsabilizou o Estado pelo (co)financiamento da melhoria ambiental do parque habitacional português e empurrou a totalidade desse ónus para as famílias.

Tentativa 2

Há dias foi anunciado o Programa de Apoio Edifícios Mais Sustentáveis (2020-2021) financiado pelo Fundo Ambiental. Ao todo são 4,5 milhões de euro a fundo perdido para apoiar a reabilitação energética de edifícios de habitação. O limite máximo do apoio são 7500 euros por edifício unifamiliar ou fracção autónoma e a taxa de comparticipação das intervenções é de 70%. “Mais simples não há: faça-se a obra, envie-se a factura e a prova de que se é titular da casa e recebe-se o dinheiro”, refere o ministro do Ambiente.

Neste programa, o Governo decide, e bem, apoiar directamente as famílias, simplificar o processo e assumir responsabilidade no objectivo de reduzir a pegada carbónica do sector habitacional e do país. No entanto, ao assumir custos também diminuiu drasticamente a ambição do programa, reduzindo-o à escala de um projecto-piloto e a uma forma de garantir o “sucesso” da iniciativa. As intervenções elegíveis são também mais limitadas em comparação com o Casa Eficiente.

Em suma, o Programa de Apoio Edifícios Mais Sustentáveis é bem-intencionado, mas parece ficar aquém das necessidades do mundo real, pois permitirá apoiar apenas cerca de 600 habitações em dois anos (assumindo o limite máximo, 4,5 milhões de euros/7500 euros). Portanto, que impacto terá este programa quando se sabe que o parque habitacional português tem mais de 3,6 milhões de edifícios e 5,9 milhões de alojamentos, que 75% das habitações são energeticamente ineficientes (têm classificação C ou inferior no certificado energético) e que 70% dos edifícios são prévios a 1990 e ao primeiro regulamento térmico?

Tentativa 3

Em plena emergência climática, numa Europa que pretende ser o primeiro continente neutro em emissões de CO2 e que reconhece que os edifícios e a eficiência energética são áreas-chave, Portugal tem em vigor dois instrumentos de política pública que, por razões distintas, aparentam ser insuficientes. Ambos, tal como se configuram na actualidade, abrangem somente uma fracção das famílias que precisam de apoio, das habitações que carecem de intervenção e dos custos para torná-las energeticamente eficientes.

Diz-se repetidamente que Portugal foi o primeiro país do mundo a comprometer-se com a neutralidade carbónica em 2050, como se dizê-lo significasse ter alcançado já esse objectivo. Todavia, para alcançá-lo, os instrumentos de política pública têm de ser adequados ao objectivo e capazes de gerar impactos significativos no mundo real — neste caso, uma profunda reabilitação energética do sector residencial, melhoria do conforto das habitações e redução da factura energética das famílias. Que não haja dúvida: a habitação é responsável por 30% da energia consumida em Portugal e o Estado tem responsabilidade na redução das emissões de dióxido de carbono do país. A reabilitação energética do parque habitacional português é uma área estratégica por várias razões – benefícios ambientais, redução da pobreza energética, criação de emprego – que, no entanto, só será possível concretizar com amplo financiamento público e apoio directo às famílias.

Assistiremos certamente à tentativa 3.

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