Por uma disciplina de cidadania no ensino secundário

Sou claramente a favor de uma disciplina de cidadania, desde que o seu programa adquira e incentive a abrangência cultural, seja tão consensual quanto possível e venha a ser elaborada com amplo debate público ouvindo-se as associações de famílias. Ela poderá servir para sensibilizar os adolescentes jovens para a política, eles que, aos 18 anos, serão cidadãos eleitores.

1. Tenho acompanhado, com preocupação, a polémica que vem sendo travada acerca da disciplina “Cidadania e desenvolvimento”, por encontrar aí muito esquecimento de lamentáveis sucessivas experiências portuguesas, pelo teor exaltado de algumas das intervenções, por certa incompreensão da finalidade da disciplina no âmbito do sistema de ensino.

Quando aluno do 6.º e do 7.º ano do liceu, ainda tive “Organização política e administrativa da Nação” (O.P.A.N,), inserida no contexto do regime salazarista. Em 1975 acompanhei as campanhas de “dinamização cultural” levadas a cabo por núcleos radicais do processo revolucionário. Agora há quem defenda que, a par de outras matérias, sejam obrigatoriamente ministradas nas escolas públicas a sexologia e a igualdade de género, correndo‑se o risco de se cair nas “questões fraturantes” de que, por vezes, se fala.

Ora, pelo contrário, eu sou claramente a favor de uma disciplina de cidadania (conforme a minha carta de leitor de 2 de agosto), desde que o seu programa adquira e incentive a abrangência cultural, seja tão consensual quanto possível e venha a ser elaborada com amplo debate público ouvindo‑se as associações de famílias. Ela poderá servir para sensibilizar os adolescentes jovens para a política, eles que, aos 18 anos, serão cidadãos eleitores.

Por isso mesmo, deve ser uma disciplina obrigatória, embora apenas para os alunos dos dois ou três últimos anos do ensino secundário.

2. Tudo isto de harmonia com o Estado de Direito democrático do art. 2.º da Constituição de 1976, baseado no pluralismo e no respeito e na efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, sem qualquer veleidade, aparente ou oculta, de um regime autoritário ou totalitário.

E procurando apoio no art. 1.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

3. A educação é direito e dever de ambos os pais (arts. 36.º, n.º 3, e 66.º, n.º 1 da Constituição). E ao Estado incumbe dar‑lhes proteção e cooperação [arts. 66.º, n.º 1, e 67.º, n.º 2, alínea a)].

O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais, desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva (art. 73.º, n.º 2).

Mas o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas e religiosas (art. 43.º, n.º 2).

4. Naturalmente, a primeira temática a lecionar deveria ser a da socialidade humana e da cidadania:

  • a necessária inserção de qualquer pessoa – desde a família, a escola, a comunidade local, a confissão religiosa, o grupo profissional, o sindicato, o partido político até ao Estado;
  • a integração no Estado ou cidadania – como se adquire e como se modifica (em traços gerais) a cidadania portuguesa;
  • a cidadania não apenas como nacionalidade, mas sobretudo como cidadania ativa, como participação na vida coletiva, através de associações de todas as espécies, dos partidos e grupos de cidadãos, do voto e dos demais direitos políticos;
  • a cidadania como acompanhamento da atividade dos órgãos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

5. Ao mesmo tempo, a igualdade:

  • igualdade entre homem e mulher, sem discriminação entre os sexos e também atendendo a qualquer outra orientação – mas sem se entrar em sexologia (a educação sexual cabe aos pais);
  • apesar dos progressos efetuados, as grandes desigualdades que afetam as mulheres, no trabalho, nas empresas e na política e as formas de as combater – sem esquecer a violência doméstica;
  • a igualdade entre portugueses e não portugueses;
  • a atenção aos imigrantes e aos refugiados;
  • para haver igualdade, não se admitir quaisquer outras discriminações ou quaisquer outros privilégios.

6. A inserção no mundo, num único mundo como é o dos nossos dias:

  • a cidadania também de carácter mundial, através da constante circulação das pessoas e das múltiplas organizações (da União Europeia à Organização das Nações Unidas);
  • a globalização como fator positivo dessa comunicação e interdependência;
  • e a globalização como fator negativo, através da fuga aos impostos para os chamados “paraísos fiscais”, através da importação de bens de países com salários mais baixos, através de domínio político das grandes empresas;
  • os conflitos internacionais e a sua difícil solução;
  • o terrorismo.

7. A cultura:

  • a preservação da cultura própria de cada povo como elemento de identidade e de dignidade; porém, sem fechamento e, pelo contrário, com abertura às outras culturas;
  • a preservação do português, língua oficial de Portugal, do Brasil, de Cabo Verde, da Guiné‑Bissau, de São Tomé e Príncipe, de Angola, de Moçambique e de Timor, sem a deixar degradar na gramática ou colonizar no léxico por outra ou outras línguas;
  • o multiculturalismo e o universalismo;
  • a vida literária e artística.

8. O ambiente:

  • o meio ambiente como valor em si e como implicando direitos e deveres de todas as pessoas, desde crianças;
  • a preservação do ambiente e a preservação da saúde;
  • a sustentabilidade ambiental entre gerações;
  • os contributos e também os riscos tecnológicos;
  • o ambiente à escala mundial.
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