Covid-19, lares de idosos e arquitectura: novos projectos precisam-se!

Grande parte dos equipamentos existentes são obsoletos, os programas e a organização espacial desapropriados. Apostar na procura de modelos mais resilientes e seguros é, pois, um imperativo de uma sociedade pós-covid e coloca um desafio no futuro imediato: o que mudar na arquitetura após a covid-19?

Somos uma equipa de arquitetos que redirecionou a sua atividade para encarar os efeitos do vírus que inesperadamente afetou todos nós. Corria o mês de abril quando a pandemia atacava Itália e Espanha, com especial intensidade nos lares. Este sobressalto rapidamente se alastrou a Portugal, denunciando a questão ética da assistência aos idosos. Procurámos refletir sobre a relação entre estes incidentes e a nossa atividade e produzimos respostas para a discussão que ocupa a ordem do dia – a covid-19 nos Lares de Idosos.

A realidade, por muitos desconhecida, evidenciada com a chegada da covid-19, revelou as fragilidades do sistema de respostas sociais, com particular penalização dos idosos. Tal contexto impôs a esta equipa de arquitetos uma tomada de posição, cívica e profissional. A análise dos factos evidenciou a conexão entre o contágio/mortalidade nos lares e a conceção dos edifícios. Sobressaiu a importância da arquitetura, ou seja, do tratamento do espaço, como disciplina essencial para a recuperação da pandemia.

Grande parte dos equipamentos existentes são obsoletos, os programas e a organização espacial desapropriados. Apostar na procura de modelos mais resilientes e seguros é, pois, um imperativo de uma sociedade pós-covid e coloca um desafio no futuro imediato: o que mudar na arquitetura após a covid-19?

Perante esta questão, preparámos uma metodologia que nos permite realizar projetos num curto espaço de tempo. Antecipámos uma abordagem aos lares e Unidades de Cuidados Continuados, definindo Alterações Estratégicas para novas estruturas ou edifícios existentes.

Genericamente, defendemos a ampliação de todas as áreas relativamente ao quadro legal aplicável, a criação de uma “unidade sanitária” autónoma e a limitação da capacidade máxima dos lares, contrariando a tendência verificada. Assim, os terrenos para novos edifícios devem possibilitar expansões progressivas e promover a maximização da ventilação/iluminação natural e da utilização de espaços exteriores.

Assegurar flexibilidade e adaptabilidade dos projetos a contextos e programas dinâmicos consiste noutra aposta desta equipa. Segregar setores funcionais distintos, com acessos e circuitos independentes para público, pessoal de serviço e sanitário, autonomizáveis em caso de necessidade, e ainda, garantir a compartimentação de espaços, quando necessário, são princípios adotados nas soluções já desenvolvidas.

Com base nestas Alterações Estratégicas, o passo urgente será o de conceber rapidamente projetos inovadores, atrativos, adaptáveis e económicos, ajustáveis às especificidades de cada situação concreta (cliente, programa, condições locais, instrumentos de planeamento, etc.), contribuindo desde já para a melhoria das condições dos idosos.

Vários profissionais se têm pronunciado sobre a dura situação com a qual o país se confronta, mas parece não haver uma consciência coletiva de que está em causa uma discussão essencialmente espacial e, por isso, arquitetónica!

É possível rapidamente encontrar soluções operacionais. Propostas concretas e expeditas, já testadas, melhoram substancialmente a prestação dos lares. Abordagens pensadas para uma conjuntura de emergência permitem acelerar a elaboração dos projetos, dando origem a novos edifícios, ou alterações, bem distintos dos concebidos antes da pandemia.

O timing das intervenções a levar a cabo é crucial, não só porque continuam a registar-se vítimas nos lares, mas também porque foi lançado o Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES 3.0). As candidaturas a este Programa implicam a submissão de projetos de arquitetura, pelo que as instituições do setor devem desde já incorporar novas estratégias.

Se não formos capazes de vencer a tradicional inércia na tomada de decisões, não estamos à altura de uma oportunidade de transformação que dificilmente voltaremos a ter. O Plano de Recuperação Económica identifica como imperiosa a eficiência dos processos. Não basta canalizar verbas, há que desburocratizar procedimentos e melhorar a eficiência no aproveitamento dos fundos disponíveis. Caberá a todos prosseguir este desígnio e à arquitetura ajustar-se a este imperativo.

Os futuros apoios financeiros para o setor devem ser acompanhados de diretivas relativas ao espaço físico destes equipamentos, com suas implicações legislativas, sem as quais dificilmente se encontrarão soluções para estancar os contágios da pandemia em curso, mas também, para encarar futuros episódios similares.

Este é o contexto que justifica esta tomada de posição e, não obstante os obstáculos, apoiamo-nos na satisfação de dispor de contributos concretos, num dos momentos mais difíceis da nossa história recente. Esperamos que este lamentável período se converta numa oportunidade para repensar diversas dimensões da nossa vida em sociedade, entre elas, os espaços nos quais vivemos.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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