Dia 104: A difícil arte de gerir as amigas na escola

Assistir como mãe às relações dos nossos filhos às vezes parece tão, se não mais, difícil do que estar lá. Temos de aceitar que podem ser os nossos filhos a ficar de fora. Ou que sejam os que estão a pôr outros de lado. Depois temos de aceitar uma verdade ainda pior: somos impotentes perante tudo aquilo e qualquer brilhante ideia que implique interferir no assunto vai dar péssimo resultado.

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Ana,

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Sabes aquelas flores cor-de-rosa que, por esta altura, apareciam nos campos próximos de nossa casa, quando eras pequena? Eu conhecia o nome oficial, são beladonas, mas um dos nossos vizinhos disse-me que se chamavam “Meninas vamos para a escola”. E, de facto, saem da terra neste tempo de regresso às aulas.

Voltei a vê-las hoje, em pequenos molhos no meio de um campo verde, já com uma luz outonal. E, não sei porquê, lembrei-me que a parte melhor de voltar à escola era estar de novo com as minhas amigas. Mas que, paradoxalmente, a pior parte também era essa, porque os grupinhos de raparigas tendem muito a assemelhar-se a células terroristas: há sempre alguma a ser eliminada. Esses volte-faces quase diários fazem que nalguns dias o recreio seja um paraíso e, noutros, um verdadeiro inferno.

Excepto para a “chefe da banda”,  porque há sempre uma líder, que consegue simultaneamente suscitar admiração e terror — todas querem ser amigas dela, fazem tudo para lhe agradar mas, simultaneamente, percebem que é má como as cobras, e que se fossem mais seguras de si teriam a coragem de a mandar dar uma curva. Mas não mandam.

Lembras-te da tua amiga S., de como querias ser como ela, e simultaneamente a odiavas (e eu contigo), por ser tão venenosa e trocista? Pensando bem, quando crescem não ficam muito melhores. Lembras-te como te rias quando eu dizia que, no jornal, também tinha a “minha S.”, que não sei como, nem porquê, fazia de mim gato, sapato, apesar de ser eu a “chefe”?

Não me parece que sejam pessoas felizes, mas a verdade é que nos metem medo, porque será? Talvez tenhamos a intuição de que lá dentro estão cheias de raiva e de inveja, e que a qualquer minuto se podem virar contra nós, e por isso inteligentemente optamos por não as provocar. Mas se as vemos pelo que são, porque é que há uma parte de nós que inveja aquela força, aquela aparente estar-se nas tintas para a opinião (e os sentimentos) dos outros, aquela segurança que não temos?

Mistérios que talvez tu saibas esclarecer. Só mais uma nota: se houver alguma S., na vida das minhas queridas netas, por favor não me contes. Se forem elas a S. de alguém, também não.


Mãe,

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Sabe que beladona era usada como veneno não sabe?? Hahaha, se calhar é por isso que florescem na altura do regresso às aulas e são uma metáfora para a gestão da vida social das raparigas “Bonitas, queridas, mas potencialmente venenosas!”.

Estou a chegar à conclusão de que assistir como mãe às relações dos nossos filhos às vezes parece tão, se não mais, difícil do que estar lá (mas provavelmente é só porque já lá não estou!).

É que, repare, primeiro temos de aceitar que podem ser os nossos filhos a ficar de fora. Ou que sejam, uma ou outra vez, os que estão a pôr outros de lado. Isso é horrivelmente doloroso. Depois temos de aceitar uma verdade ainda pior: somos impotentes perante tudo aquilo e qualquer brilhante ideia que implique interferir no assunto vai dar péssimo resultado. E, pelo caminho, temos de lembrar-nos de que tudo aquilo que nos parece agora “um disparate, um exagero”, já foi para nós também “a coisa mais importante do mundo”. E que, inversamente, aos olhos dos nossos filhos, pagar a conta da luz ou entregar o relatório a tempo parecem prioridades bem mais fúteis do que voltar a ser amiga da X ou garantir que o X e o Z voltem a ser namorados.

Pode ajudar fazer aquilo que a mãe referiu! Repararmos como temos a ilusão de ter saído do recreio, mas que no nosso trabalho e até nas nossas famílias as dinâmicas das nossas relações não são assim tão diferentes, tirando que sabemos ficar calados mais vezes e/ou substituímos o insulto básico pela ironia. Mas se pensarmos bem, não deixou de ser difícil gerir as nossas amizades/relações sociais. Não deixou de ser emocionante conhecer pessoas novas, de nos relacionarmos mais profundamente com uma ou outra amiga, de ser um equilíbrio gerir os ciúmes entre uns e outros. Mas que também não deixamos de nos sentir absolutamente perdidas e sozinhas quando nos humilham ou magoam, ou quando sentimos o peso da comparação ou da rejeição. Que esse insight nos ajude a fazer a única coisa que podemos realmente fazer quando um filho chega da escola magoado por um conflito, ou simplesmente exausto de toda esta gestão, quando é um bocadinho mais bruto connosco porque disfarçou na escola e descarrega para cima de nós.... ou seja, dar-lhe um abraço e fazer crepes. Funciona para eles e, sinceramente, funciona para nós!

Beijinhos

P.S.: Para que fique claro: embora seja apologista de que há uma altura em que temos de observar, mas não devemos intervir, é claro que em casos graves, ou que estejam a ser difíceis de gerir pelos nossos filhos, acho que os adultos têm mesmo de intervir. Não numa perspetiva de encontrar uma vítima e um agressor, mas para ajudar a criança a resolver o problema e a sentir-se segura e protegida na escola. Isso é tão importante como a Matemática ou o Português! 

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