Jovens acreditam mais em mitos sobre a covid-19 e a culpa é das mensagens, revela estudo

Estudo conclui que pessoas com idades compreendidas entre os 18 anos e os 24 anos têm duas vezes mais probabilidades de acreditar em informação errada.

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Os jovens acreditam mais em notícias falsas. Em causa pode estar o maior uso de serviços de mensagens online Charles Platiau/Reuters

Os jovens estão mais susceptíveis de acreditar em notícias falsas e desinformação sobre covid-19 disponível na Internet do que os mais velhos, mas as redes sociais não são as principais responsáveis. A maioria da desinformação seguida pelas gerações mais novas propaga-se via serviços de mensagens como o WhatsApp e o Messenger.

A conclusão é de uma equipa de investigadores que estudou o impacto do novo coronavírus nos Estados Unidos e os níveis de confiança numa eventual vacina, baseando-se na análise de 21.196 inquéritos sobre 11 mitos associados à covid-19 realizados durante o mês de Agosto. O trabalho foi realizado em 50 estados norte-americanos por grupos da Universidade Harvard, da Universidade de Rutgers, da Universidade de Northeastern e da Universidade de Northwestern. 

O estudo afirma que os participantes com idades compreendidas entre os 18 anos e os 24 anos tinham duas vezes mais probabilidades de acreditar em informação errada ou falsa, comparativamente com pessoas com mais de 65 anos — os mais velhos eram os menos susceptíveis de acreditar em mitos relacionados com a covid-19 (apenas 9%).

“Encontrámos um padrão óbvio: quanto mais velho o grupo, menor [o nível médio de] crenças em afirmações falsas”, lê-se no relatório, que chega numa altura em que várias instituições de saúde pública debatem sobre como travar a subida dos casos de covid-19 entre os mais jovens

O mito mais popular é que a covid-19 foi transmitida aos humanos por pessoas que comeram morcegos infectados – é defendida por 28% de jovens com menos de 25 anos (apenas 6% das pessoas com mais de 65 acredita nesta teoria). Outras informações falsas populares incluem acreditar que o ar quente dos secadores mata o vírus, que apenas pessoas com mais de 60 anos correm riscos e que há uma cura que está a ser escondida da população.

Os resultados espantaram os investigadores. “Foi um pouco surpreendentemente ver que as pessoas mais novas eram as mais propensas a acreditar em desinformação”, admite ao PÚBLICO Mathew Baum, professor de Comunicação Global em Harvard e um dos investigadores do estudo. “Outros estudos atestam que as pessoas mais velhas são mais vulneráveis à desinformação sobre vários assuntos, incluindo sobre polícia e saúde.”

Um exemplo frequentemente citado é um artigo de 2019 publicado na revista académica Science sobre o impacto da desinformação durante as presidenciais de 2016 nos EUA, que mostrava que as pessoas com mais de 65 anos eram as que mais partilhavam informação falsa sobre as eleições. Uma das teorias é que a falta de literacia digital facilitava a propagação destas mensagens.

WhatsApp e Messenger têm parte da responsabilidade

A actual preferência dos mais jovens por serviços de mensagens privados para falar e partilhar informação pode ser o motivo, sugerem os investigadores. São ambientes ausentes dos alertas sobre informação dúbia e falsa que se tornam comuns nas redes sociais. “Existe uma forte associação entre a utilização de aplicações de mensagens instantâneas e a crença em desinformação”, observam os investigadores nas conclusões do relatório. “Os serviços de mensagens Messenger e WhatsApp destacam-se.”

Para inquiridos que obtinham as notícias do WhatsApp (apenas 4%), por exemplo, a probabilidade de acreditarem em notícias falsas era de 31%.

“A informação partilhada através de mensagens instantâneas tende a vir de laços próximos, como a família e amigos próximos. Isso torna a informação mais credível para o receptor”, comenta Baum. 

A equipa acredita que os resultados são transversais a outros países. “A desinformação é um problema global e está longe de ser exclusiva dos EUA”, sublinha Mathew Baum. “Existem muitos casos documentados de histórias de desinformação [sobre covid-19] que se tornaram virais em outros países e regiões.”

Baum admite, no entanto, que o problema pode ser mais agudo nos EUA. “Sabemos que o público norte-americano está mais polarizado politicamente do que em muitos outros países”, reconhece o académico. “A polarização partidária é um combustível para desinformação e percepções erradas.”

Homens erram mais

Além da maior susceptibilidade das gerações mais novas a notícias falsas, os inquéritos revelam que os homens têm mais percepções erradas sobre o novo coronavírus do que as mulheres (os investigadores argumentam que se deve a uma maior confiança associada ao sexo masculino) e que a população afro-americana e hispânica a viver nos Estados Unidos acredita em mais teorias da conspiração sobre a covid-19.

Pessoas que acreditam em teorias de que o vírus da covid-19 surgiu num laboratório chinês estão mais cépticas sobre uma vacina para travar a covid-19 e tendem as desrespeitar a recomendação de uso de máscara em locais públicos. Depois dos serviços de mensagens privadas, as redes sociais são o sítio mais propenso para se encontrar e partilhar desinformação.

Os investigadores esperam que os resultados sejam um alerta. “Estas percepções são particularmente problemáticas, pois podem levar a comportamentos que põem em risco a saúde das pessoas”, diz em jeito de alerta Katherine Ognyanova, professora de Comunicação na Universidade de Rutgers e outra das investigadoras que participou no estudo.

De acordo com um estudo de Agosto, pelo menos 800 pessoas em todo o mundo morreram e outras cinco mil ficaram hospitalizadas depois de seguirem recomendações de curas falsas sobre a covid-19.

“O nosso objectivo é fornecer informação a indivíduos, organizações e legisladores para que melhorem os seus planos e actividades”, explica Ognyanova. “Uma grande preocupação é que a desinformação possa impedir as pessoas [de confiar numa vacina] se e quando finalmente conseguirmos desenvolver uma vacina segura e eficaz.”

Editado 23h00, 23 de Setembro: Acrescentada explicação de Mathew Baum sobre impacto maior dos serviços de mensagens

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