Planeamento sucessório: a partilha em vida

A partilha em vida é um instituto muito importante, pouco utlizado e que deve ser divulgado, por forma a permitir a sua utilização esclarecida.

O planeamento sucessório pode assumir várias formas.

Em artigo anterior, aclarámos a figura do testamento e, hoje, clarificamos a opção da partilha em vida que, como o próprio nome indica, corresponde à distribuição de bens, feita em vida.

Esta partilha em vida pode abranger a totalidade ou parte do património do disponente, que é repartido por um ou mais beneficiários, os quais passam a dispor imediatamente dos bens que lhes forem adjudicados, na medida em que, uma vez realizada a partilha, o direito de propriedade dos bens partilhados transmite-se aos beneficiários.

Se o disponente tiver, por exemplo, três presuntivos herdeiros legitimários e pretender adjudicar bens apenas a dois, todos os presuntivos herdeiros (incluindo o que não vai receber bens) têm que intervir na partilha em vida. Os beneficiários a quem forem adjudicados bens terão que pagar tornas ao presuntivo herdeiro que não recebe bens.

Ressalvamos que não podem ser objeto desta partilha os bens futuros, na medida em que estes, por serem desconhecidos, não permitem a fixação de um valor e a sua distribuição concreta, o que inviabiliza, nomeadamente, a quantificação das tornas a pagar.

A partilha em vida traduz-se numa doação entre vivos, que exige o consentimento de todos (disponente e presuntivos herdeiros legitimários e, no caso de o disponente ser casado, o seu cônjuge também tem que intervir, pois também é herdeiro legitimário), sendo que, como já referido, os beneficiários são os escolhidos pelo doador de entre os seus presumidos herdeiros legitimários, obrigando-se estes ao pagamento de tornas aos restantes herdeiros e, porque é uma doação entre vivos, a lei obriga à observância das regras de forma estabelecidas para o efeito.

Assim, se os bens que integram a partilha em vida forem bens imóveis, esta terá que ser celebrada por meio de outorga de escritura pública ou por meio de documento particular autenticado.

Se a partilha tiver por objeto bens móveis, a mesma não tem que ser levada a escritura pública, bastando que conste de documento escrito (nos casos em que não haja a tradição da coisa).

Importa deixar constância que, por exemplo, numa partilha em vida, o disponente pode reservar para si o usufruto de bens, estipular rendas, etc.

Todas estas opções devem ser previamente equacionadas, obtendo-se o conveniente aconselhamento jurídico, por forma a que tudo seja estipulado e seja operacionalizado da forma que melhor acautele os interesses de todos.

Nomeadamente, importa clarificar que se pode convencionar um prazo para pagamento de tornas que sejam devidas, situação relevante na medida em que, caso haja incumprimento desta obrigação, os herdeiros legitimários (credores das mesmas), poderão pedir a resolução da partilha em vida, se tal estiver convencionado no contrato celebrado.

Assim, optando-se por uma partilha em vida, o autor da sucessão (ainda durante a sua vida), controla os termos da distribuição dos seus bens, definindo a composição dos quinhões dos herdeiros legitimários, os quais, ao terem que acordar na mesma partilha, ficam a esta vinculados, impedindo que, mais tarde, à data da morte do autor da sucessão, os seus herdeiros desvirtuem o que sabem ser a vontade real daquele.

Com efeito, através desta planificação sucessória, evitam-se constrangimentos e guerras judiciais, que a ninguém aproveitam.

Esta partilha em vida assume um caráter definitivo (valendo em vida e após a morte do disponente) e, caso se opte por uma partilha em vida parcial, nada obsta a que seja feita nova partilha em vida, que abranja outros bens que componham o património que ainda não foi partilhado.

A definitividade da partilha tem como objetivo garantir segurança a todos, aqui se incluindo, claro, o disponente que tem a segurança de saber que, se vierem a existir situações de comportamentos de algum ou alguns dos herdeiros legitimários que integrem o conceito legal de ingratidão, a lei protege-o pois concede-lhe a faculdade de revogar essas concretas doações. Neste caso, o ingrato tem que devolver o que, anteriormente, recebeu no quadro da partilha em vida.

Sendo a partilha em vida um contrato em que todos os herdeiros legitimários têm que intervir, a outorga do mesmo possibilita a existência de um diálogo profícuo e a racionalização de posições, com a vantagem de o próprio disponente poder escolher, em vida, aqueles que considera mais aptos para, por exemplo, dar continuidade a projetos que, de outro modo, poderiam ser desmembrados e extintos se à data da sua morte se aplicassem apenas as regras sucessórias.

A partilha em vida é, pois, um instituto muito importante, pouco utlizado e que deve ser divulgado, por forma a permitir a sua utilização esclarecida.

Advogadas na Rogério Alves & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL

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