Entre o prevenir e o remediar

Para evitar o descalabro, há que assumir o erro que foi a decisão de iniciar todos os ciclos ao mesmo tempo, sem que as escolas tenham condições humanas e económicas necessárias para se tornarem locais seguros

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LUSA/JOSÉ COELHO

Os números de infeções por covid-19 aumentam de dia para dia e percebemos todos que não abrandarão nos próximos tempos. Bem sei que o número de infeções não significa número de doentes, porque há muitos assintomáticos, nem de internados, pois têm diminuído. Mas significa pessoas em isolamento obrigatório de pelo menos, até decisão em contrário, 14 dias. Sabemos todos, também, que as recuperações têm períodos diferentes e podem durar mais de um mês! É previsível que, começando a ter de isolar infetados, muitos serviços, mas sobretudo as escolas, venham a ter repercussões imprevisíveis. É sobre estas que gostaria de tecer alguns comentários.

Quando fecharam e sobretudo quando decidiram que não abririam para todos antes de setembro, pensei que teriam tempo suficiente para preparar o regresso em condições de as manterem abertas o mais tempo possível. Estávamos em final de abril! Pensei mal. Porque, dizem, nessa altura estavam, não sabemos bem quem, a preparar o regresso da creche, pré-escolar e disciplinas de exame. Não havia tempo para preparar no incerto e a tanto tempo de distância.

Quando terminaram os exames e deu-se o fecho do ano letivo, continuava a incerteza do futuro a coibir os nossos governantes de planear. Porque planear terá um significado diferente para uns e para outros.

É hoje certo e sabido, e dito por todos os especialistas, que não é possível recuperar a economia com escolas fechadas e enquanto os pais tiverem de manter os filhos em casa.

É certo e sabido que o ensino à distância, apesar de todo o reconhecido esforço da maioria dos intervenientes e sobretudo dos professores, não é eficaz nem consegue ser substituto do ensino presencial, sobretudo nos mais novos, do 1.º e 2.º ciclos.

É hoje certo e sabido, concorde-se ou não, que as escolas têm cada vez mais um papel de assistencialismo social, pelo que os especialistas fazem justamente destas um fator decisivo, alertando para a necessidade de medidas eficazes para conter eventuais contágios.

Estas três premissas são a base. Um dos principais pilares de sustentação na recuperação económica seria manter as escolas abertas e em segurança. No entanto, o que o Governo fez foi mostrar uma impreparação atroz, orientando como possível, se possível e com recursos a roçar o ridículo.

Mas creio que, agindo em vez de reagir, podemos tentar emendar esta inépcia demonstrada pelo Ministério, bastando que haja vontade política e possibilidade de investir alguma coisa na educação, com retorno garantido na economia.

As escolas dos mais novos não devem fechar. Sugiro que se mantenham a creche, o pré-escolar, os primeiro e segundo ciclos em ensino presencial, e que os restantes ciclos sejam colocados em ensino misto, ou à distância, consoante a disponibilidade de meios, em colaboração com as freguesias, autarquias e associações locais para a disponibilização de espaços e material.

Devido à sua maior autonomia, os mais velhos podem bem, provisoriamente, manter um ensino misto ou à distância. Com esta solução, que começa a ser adotada em alguns países como forma preventiva, poderia ser que conseguíssemos manter as escolas abertas ao longo do ano.

Para os professores de risco apresento a mesma solução de que já tenho vindo a falar há meses: os professores de risco de cada agrupamentos ficariam responsáveis pelos alunos de risco desse mesmo agrupamento.  Para além disso, estes professores poderiam ficar responsáveis pelas turmas de professores que tivessem de ficar em isolamento. Será que o Sr. Ministro acha que um professor que se encontre infetado com covid-19 deva continuar a trabalhar à distância?

Quando aqui há dias ouvi a razão pela qual não teríamos um regresso faseado, como em Espanha, nomeadamente Madrid, “porque ainda não estávamos com o mesmo nível pandémico”, percebi que reagir é a palavra de ordem, quando devia ser o prevenir. O Governo deveria ter feito tudo para proteger as escolas, para que a tranquilidade prevalecesse nas escolas, para que fossem, de facto, lugares seguros, como vão dizendo os nossos governantes.

Mas não basta dizê-lo. Há, sobretudo, que prová-lo e assegurar a capacidade de resposta atempada das autoridades de saúde, assim como garantir meios para lidar com dezenas de casos diários que convivam em contexto escolar. Neste momento, o maior risco nas escolas é o Governo, que anuncia reforços disto e daquilo e mais alguns milhões todos os dias, ver-se apanhado desprevenido perante desafios sanitários que deveriam ser mais do que previsíveis.

Para evitar o descalabro, há que assumir o erro que foi a decisão de iniciar todos os ciclos ao mesmo tempo, sem que as escolas tenham condições humanas e económicas necessárias para se tornarem locais seguros, dar a mão à palmatória e agir para não ter de reagir numa altura que já possa ser tarde demais e já pouco haja a fazer para manter o ensino presencial.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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