Caro leitor, andas a ler menos do que devias

Ler é muito mais do que um conjunto de formulações racionais e práticas. Ler tem um prazer associado, que não encontro em nenhuma outra forma de passar o tempo.

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A afirmação não é necessariamente verdadeira, mas corresponderá com uma elevada probabilidade à realidade. E eu, confesso já peremptoriamente, também pertenço ao grupo de leitores cada vez menos assíduos.

Há uns tempos, consultei as minhas estatísticas no Goodreads, uma espécie de rede social para bookworms onde são monitorizadas as nossas leituras, e apercebi-me do flagelo: os números eram vergonhosos. Tornam-se particularmente preocupantes se levarmos em conta que sempre gostei de ler e sempre li muito. E isso moldou por completo a minha personalidade, tornando-a substancialmente melhor.

Primeiro, ler muito permitiu-me escrever com muito mais qualidade do que se assim não fosse. E isso é muitíssimo vantajoso na esmagadora maioria das circunstâncias da vida. Mesmo que escrever não seja a minha profissão, permitiu-me estar um passinho mais à frente — seja num relatório, numa carta ou na exposição de um assunto genérico. Escrever bem leva-nos mais longe no que pretendemos.

Segundo, ler muito expandiu-me a criatividade. Mostrou-me um mundo que vai além dos limites e das fronteiras óbvias. Indicou-me outras formas de pensar, mesmo que não concordasse com elas. Deu-me outra abertura e ajudou-me a desorganizar e reorganizar a minha forma de pensar e estruturar opiniões.

Terceiro, ler é muito mais do que um conjunto de formulações racionais e práticas. Ler tem um prazer associado, que não encontro em nenhuma outra forma de passar o tempo. Ler permite uma evasão da realidade e imersão numa dimensão paralela. E saberá quem lê que desligar o botão da ficção e voltar à realidade é, por vezes, doloroso e desconcertante.

Apesar de ler ser altamente benéfico, por que motivo lemos pouco e cada vez menos?

Podia dizer rapidamente, no meu caso, que tinha pouco tempo. O que, não sendo mentira, também não corresponde à verdade. Serei sempre defensora de que a vida é uma questão de prioridades e a leitura deixou de ser uma para mim. A questão é: onde é que andava a gastar o meu tempo livre, se não em leituras?

A resposta não é uma, mas divide-se em várias actividades, que trazem geralmente altas recompensas de dopamina, mas que são muito pouco recompensadoras a longo prazo: redes sociais, vídeos ou navegações à deriva na Internet... Tudo à distância de um clique rápido. Habituámo-nos a ter o mundo na palma da mão e vamos a todo o lado sem ir a lado nenhum. Fazemos dezenas de coisas em simultâneo: deslizamos os olhos nas notícias, ouvimos música, respondemos a mensagens no WhatsApp, fazemos scroll no Instagram, vemos vídeos no YouTube. Alternamos entre tarefas com uma rapidez prodigiosa, enquanto nos especializamos no mutitasking do nada e somos devorados pela nossa insaciedade de informação rápida e colorida.

A solução? As mudanças no nosso estilo de vida provêm, em primeira instância, da motivação, mas acabam inevitavelmente por se esbaterem se forem assentes apenas na motivação. A coisa requer planeamento e até segmentação em vários passos. Primeiro, eliminar o que nos tira tempo para ler e não nos adiciona assim tanto. Segundo, arranjar uma motivação, que poderá ser aquela que enunciei no início da crónica. Terceiro, modificar o ambiente para propiciar a leitura, que em boa verdade significa tirar o telemóvel da vista e reservar tempo. E, por último, recompensar-nos. E embora este último passo pareça querer inserir-nos no laboratório de Pavlov, a verdade é que a ciência mostra que em dois ou três meses conseguimos adquirir este hábito.

E muito embora a vida não seja um livro de receitas com medidas analíticas, contornar racionalmente os maus hábitos pode ser uma boa solução para introduzir o que faz falta: a leitura.

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