Carta Aberta à Senhora Ministra da Cultura. Aplaudamos!

Aplaudimos a intenção de resolver finalmente, um dos maiores enigmas da democracia: por que razão o Estado que financiou a criação, a remodelação e a compra de equipamentos culturais, não encontrou até hoje forma de fazer passar por esses mesmos equipamentos a Criação Artística que financia?

Finalmente uma titular da pasta do Ministério da Cultura decide assumir (e digo-o sem qualquer atitude crítica), o óbvio. E o que nos espanta é a constatação de não percebermos a razão por que, sendo óbvio, não tenha sido afirmado e assumido por este e por muitos governos, antes deste.

Num artigo publicado no “espaço público” do jornal Público, deste fim de semana, a Ministra Graça Fonseca, traça de forma clara, assertiva, directa e sem rodriguinhos, como aliás se exige, as razões que nos conduziram ao estado em que estamos, e que não radica de  todo nem na pandemia, nem nas “malfeitorias” dos sucessivos governos, nem nos tiques e por vezes atitudes corporativas por dentro do sector. Tem razão a ministra quando não acompanha (e nesse aspecto, tem vindo a fazê-lo há já algum tempo) a lamúria nacional de dó para com os desgraçadinhos dos artistas.

E quando lembra que afinal tem sido chamada a resolver questões de caracter social, que estão de facto “fora da acção política do seu ministério”. O problema não é de apoio social é de ausência reiterada de políticas de Cultura. A ministra enumera o que já foi realizado até aqui, sobre o que encontrou e não encontrou e cujo debate ou contraditório não faz agora sentido.

Chegou pois, à conclusão que” os artistas e a arte são essenciais ao nosso desenvolvimento como povo e o Estado deve apoiar o seu trabalho e investir nele de forma substancial” e promete “dando continuidade às orientações consensuais do anterior modelo, mas procedendo a alterações que visam melhorar o sistema de apoios”. E enumera de forma clara os princípios de uma verdadeira Política Nacional de Apoio à Criação Artística. E nós aplaudimos no essencial a ministra.

Parece-nos, no entanto, que algumas das suas propostas (ou já decisões) carecem de alguma clarificação. Alguns exemplos: afirma que o “apoio sustentado” às estruturas passa a ser trienal, com possibilidade de ser renovado por igual período, que permitirá o desenvolvimento sustentado do projecto artístico”. É certo que até esta data há apoios sustentados (a dois anos) o que não faz sentido. Mas há também a quatro anos. E que num caso e noutro, sempre se pode/podia concorrer de novo.

Agora os apoios sustentados passam a três anos? O corte de um ano, melhora a sustentação do projecto? Estamos de acordo e defendemos há anos, a ideia de contratualização. Como defendemos há muito, uma verdadeira estratégia de acompanhamento e avaliação no terreno, relativamente ao contratualizado. Não apenas quantitativa, mas mais global (parâmetros, modelo de gestão, etc).

Mas para tal desiderato será urgente uma melhor definição sobre currículas, processo de recrutamento, condições financeiras, de trabalho e outras, para que essas Comissões de Acompanhamento e Avaliação o façam em qualidade e exigência mútuas. Defendemos a ideia da confiança entre as partes. Afinal, o objectivo é comum: investir na democracia e na sua qualidade. Aplaudimos. No que respeita à ideia do apoio financeiro ter “por base o modelo de candidaturas por patamares”, apesar do objectivo parecer plausível, carece de melhor explicação e entendimento. Aplaudimos “valorizar-se com determinação o apoio às entidades em que as relações laborais tenham por base contratos formais (e a termo, digo eu).

Mal estaríamos se não aprendêssemos com o Covid 19 e não déssemos o exemplo. O apoio do Estado às artes deve ser acompanhado da exigência de que os trabalhadores tenham garantidos os seus direitos sociais”. Aplaudimos. E na CTB é o que fazemos há muito. É por isso que não nos sentimos bem com o epiteto de “desgraçadinhos”, embora o quotidiano seja quase de sobrevivência. A senhora ministra sabe que no actual modelo de patamares de financiamento há estruturas que na plataforma de Candidatura, não têm condições para tornar a relação contratual formal, para mais de três ou quatro elementos do quadro fixo?

Aplaudimos a intenção de resolver finalmente, um dos maiores enigmas da democracia: por que razão o Estado que financiou a criação, a remodelação e a compra de equipamentos culturais, não encontrou até hoje forma de fazer passar por esses mesmos equipamentos a criação Artística que financia? Aplaudimos a decisão da criação do estatuto do Artista (e a carteira profissional?), como factor estruturante para o sector, para o Estado e para o financiamento às Artes. E sobre a urgente regulação do Ensino Artístico em Portugal? Não faz sentido, criarem-se escolas ao ritmo da ausência e falha do apoio às Artes.

Aplaudimos e agradecemos à senhora ministra a clareza do seu discurso e a percepção de força, determinação e vontade em concretizá-lo. O que afirma responsabiliza-a pessoalmente, ao Governo a que pertence, a todo o espectro político na Assembleia da República e fora dela. A nós, estruturas de criação e artistas. E aos cidadãos em geral. Afinal, queremos ou não uma melhor e mais qualificada cidadania?

Apenas três dúvidas me assaltam. Primeira: este é um texto de opinião da ministra da Cultura, ou a escolha que fez para apresentar a estratégia política do ministério a partir de agora? Segunda: quando começamos a ver o efeito desta proposta? Já no Orçamento do próximo ano, em discussão na Assembleia da República? ou num próximo governo?

Sem trazer a ideia fixa do 1%, que detesto, quanto custa a coisa? A senhora Ministra sabe que uma estrutura como a CTB, por exemplo, que tenha cerca de 11/12 dos seus quadros com contratos a termo, assume à partida uma responsabilidade perante a Segurança Social e Finanças, que corresponde a cerca de 30% do que recebe de financiamento do Estado, por ano? E quando o Estado se atrasa nos pagamentos? Terceira: A senhora Ministra disse paradoxalmente o óbvio e nós APLAUDIMOS sinceramente, mas lá no íntimo, acha que o país está preparado para o óbvio?

Desejo a V. Exa. e a toda a sua equipa os melhores êxitos na concretização deste Programa. E conte connosco.

PS. Tomo a liberdade de anexar este link: onde terá oportunidade de observar, porque estou tão de acordo com V. Exa.

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