Quantos jovens têm tempo para não ler?

Que livro oferecer a alguém que não lê? Ler não é só ler, como sabemos. E antes de ler é preciso escolher o tal livro, entre mais de milhares de milhões que já existem. E acabo por entrar no campo da aflição do leitor. Que livros ler durante a vida? Mais, que livros não ler? Que complexa missão, esta…

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Nelson Garrido

Naveguei entre os stands da Feira do Livro do Porto, mais uma vez. A primeira este ano. Que me recordo, já lá vão quatro anos desde a minha primeira visita. Bem, na verdade isso pouco interessa para o que venho cá tratar hoje. Antes, nesse mesmo dia, ao sair do trabalho, às 6h da manhã, no último dia de trabalho da semana, um colega de labor convida-me para ir beber um copo com o “pessoal” ao final da noite. Recuso, explicando-lhe que iria descansar pouco durante o dia e já não teria cabeça para essas aventuras. Depois da curiosidade dele, disse-lhe que iria à Feira do Livro nesse mesmo dia, e que, como esta encerraria nesse fim-de-semana, não poderia falhar. 

A seguinte questão dele, ainda que possa não ser surpreendente, é o que me leva a escrever isto por me ter deixado estupefacto, embaraçado e até com um sentimento de pena: “Mas tu lês?” E aqui estou eu a reflectir nela. E antes de abordar a minha resposta, escrutinarei a pergunta. A interrogação foi com um ar surpreendido, que me deixou surpreso. E mais do que isso, usou a adversativa “mas”, já identificando uma oposição. Respondi-lhe da melhor maneira que encontrei na altura, para provocá-lo: “Como assim se leio? Tu não lês?”. A pergunta foi para tentar esclarecer quais eram os modelos para o meu ouvinte. A resposta dele foi representativa entre estas duas possíveis: “Não tenho paciência/tempo para isso” e “Gostava, mas…”. 

E esta história é apenas um exemplo de algo que eu acredito ser o ordinário na sociedade — e mais ainda em jovens. Como se a leitura não se encontrasse nos patamares de crescimento desta geração, como se achassem que não é dos livros que se podem desenvolver enquanto seres humanos. Estranho mundo onde não se lê e se pode ser feliz. 

E se estudarmos a situação eu é que sou o monstro naquele grupo. Eu sou o anormal entre nós os dois. Além disso, quem conhece uma Feira do Livro, sobretudo no Porto e em Lisboa, sabe que não se compra só livros naqueles espaços. E muitos deles, falo por experiência pessoal, não são para ler. Ou são para dar ou para os consultar, se necessário, ao longo da vida. 

Terminamos o diálogo com ele a pedir-me para lhe comprar/oferecer um livro. Mais um iludido, considerando que basta ter o livro para o ler (o leitor experiente destas situações rir-se-á). Ainda assim, reconheço-lhe o esforço e por isso lhe comprei o livro. E tenho de dizer não foi uma tarefa muito fácil. Que livro oferecer a alguém que não lê? Ler não é só ler, como sabemos. E antes de ler é preciso escolher o tal livro, entre mais de milhares de milhões que já existem. E acabo por entrar no campo da aflição do leitor. Que livros ler durante a vida? Mais, que livros não ler? Que complexa missão, esta…

Olhei para os livros e perguntei-me sobre o que me interessa conhecer no mundo de São Tomé e Príncipe, no início do século XX, ficcionado por Miguel Sousa Tavares? Que me interessa as narrações de um general, Pereira da Costa, na frente da Guerra Colonial na Guiné? Que me interessa conhecer nas críticas de Diogo Amaral aos tempos do Estado Novo? Que me interessa conhecer na biografia de Salazar apresentada por César Santos Silva?

O mundo continua cheio de histórias… E assim não fui beber um copo. Esta é a história de como não ganhei outra história. 

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