Estudar Humanidades em tempo de crise

Dizem que estudar humanidades não serve para nada. Que o que é preciso são os saberes práticos. Não se enganem. O local de excelência para aprender a ser humano são as Faculdades de Ciências Humanas.

Que sentido faz ir para a universidade estudar humanidades, numa situação planetária de epidemia pandémica, quando as famílias passam mal? Não sabemos se todos os sacrifícios serão suficientes para mandarem as suas filhas e filhos para a universidade. Sabemos que é o que os pais farão. Os trabalhadores estudantes e os candidatos com mais de 23 anos serão quase inexistentes. O ensino superior requer um investimento de anos e uma concentração nos estudos sem preocupações financeiras.

E, ainda assim, investir na educação em tempo de crise é a melhor escolha que se pode fazer. Nós somos as nossas habilitações. Não nos deixemos enganar. É isso que nos pedem e é isso que todos queremos, tanto que alguns políticos até as forjam ilicitamente. 

Pode a epidemia pandémica dar-nos também alguma oportunidade, oferecer-nos a ocasião singular de nos obrigar a pensar globalmente. O ser humano é de extremos. Na pior situação, é capaz do melhor. Na aflição, quando tudo parece impossível, tem encontrado as suas possibilidades. Enxergar-se e até consegue ver o próximo.

As Humanidades são o estudo sistemático do diagnóstico da situação humana, permitindo a transformação de problemas em soluções.

A universidade é a diversidade máxima que pode haver integrada na unicidade de sentido. O conhecimento é um processo complexo, mas com dois factores inalienáveis de sucesso: o tempo e a partilha. Se é cada um por si que tem de se apropriar do seu saber ao longo do tempo com a sua reflexão e leitura, é também com o outro, para o outro e a partir do outro que os conhecimentos são adquiridos, crescem e melhoram.

É por isso que a universidade terá sempre de ser contra a exclusão do outro e a favor da diversidade de opiniões. Não, contudo, sem as pôr à prova. É preciso tempo para aprender e partilhar. O saber não tem sexo, não tem religião, não tem orientação sexual, não devia ter classe. O saber requer inteligência. Reclama o ensino para poder ser transmitido. Assim, a universidade multiplica e desdobra as possibilidades que uma só vida não dá para experimentar.

O estudo das humanidades não é um luxo em tempo de crise. O conhecimento das ciências humanas não é inútil. A técnica, a arte, a indústria, a ciência exacta nascem do questionamento e da indagação. Não aparecem formadas na natureza. Não se pode reduzir o sentido da existência à utilidade porque há muitas coisas inúteis que fazem sentido, como a amizade e o amor. Por outro lado, a utilidade é a manifestação mínima do que faz sentido, porque é agradável, vantajoso e bom. É o contrário da inutilidade: desagradável, nociva, má. Para o perceber, diz Aristóteles, na Ética a Nicómaco, é preciso perguntar qual é a essência da utilidade. A nossa adesão à utilidade não pode ser imediata nem primária.

Diz Aristóteles que há uma forma de saber que existe apenas por causa da liberdade, eleutheria, para dar à luz aquilo de que cada ser humano está grávido. Cada ser humano está grávido da sua possibilidade. Uma possibilidade é como um sonho. Todo o sonho tem de ser tornado realidade. Uma possibilidade é possibilidade quando é accionada e é eficaz, quando abre caminho, quando nos faz navegar. 

A universidade que integra a diversidade de pessoas e de saberes é uma possibilidade, não é a única, mas é uma possibilidade, e enquanto humana depende de seres humanos.

A alegria da partilha e o triunfo da descoberta renovam o espírito. É assim que o conjuramos. De outro modo, eclipsa-se. Quando o espírito desaparece, a noite pode durar mil anos e as possibilidades morrem. Aprender é por causa da vida. O inimigo é a morte. O humano realiza-se, sabendo. As Humanidades e a Universidade oferecem um espaço e um tempo para esse acontecer. Que outro local de excelência para aprender a ser humano senão as Faculdades de Ciências Humanas e a universidade em geral?

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