Governo deve estender apoio à exportação até Março de 2021

Garantias estatais aos seguros de crédito são válidas até Dezembro, mas o Governo já antevê que será necessário alargar esse apoio por mais três meses.

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Adriano Miranda

A retoma lenta do comércio internacional deve levar o Governo a estender as garantias públicas à exportação por pelo menos mais um trimestre, até Março de 2021. A novidade foi avançada neste domingo pelo secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, após uma visita à mais importante feira de calçado do mundo, que é bem o espelho da desolação que a pandemia instalou em muitos sectores exportadores, incluindo este do calçado.

O acordo que o Governo tem com as seguradoras, para reduzir a exposição ao risco dos exportadores com garantias públicas nas operações de curto prazo para o mercado comunitário, foi selado em Junho e é válido até ao final do ano. Porém, Brilhante Dias já antevê que será preciso prolongá-lo, ainda que sublinhe que a decisão dependa de uma avaliação que só será feita em Dezembro.

“A Comissão Europeia permite essa extensão [até Março de 2021] e, neste momento, nós não perspectivamos, dadas as circunstâncias em que está o mercado, que seja possível retirar os apoios públicos nos seguros de crédito à exportação”, disse Brilhante Dias, quando questionado pelo PÚBLICO.

O governante entende que, apesar dos esforços de reabertura da economia no pós-confinamento mundial, “o mercado [externo] continua a funcionar de uma forma muito desequilibrada”. Por isso mesmo, será intenção do Governo aproveitar a decisão de Bruxelas, que permitiu aos Estados-membros dar garantias públicas nas operações de venda para o mercado da União Europeia, permitindo temporariamente uma ajuda estatal que só era possível dar nas vendas para o mercado extra-comunitário. Agora, já que há essa possibilidade, o Governo de António Costa parece ciente de que o nível da retoma está muito aquém do que seria necessário para sossegar as seguradoras que, face à recessão no comércio externo, reduziram brutalmente nas coberturas e até anularam milhares de apólices que davam cobertura à exportação. 

“O Governo português mantém uma avaliação do modelo que implementou [em Junho] e olhando hoje, em Setembro de 2020, parece-nos difícil que o sistema não seja estendido”, frisa o secretário de Estado. “Seguramente em Dezembro será tomada uma decisão, mas, considerando que o mercado continua a funcionar de uma forma muito desequilibrada, precisa de intervenção pública para ter mais cobertura de risco no processo exportador.”

AICEP com nova direcção “em breve"

Questionado sobre a Agência para o Investimento e o Comércio Externo (AICEP), cuja direcção presidida por Castro Henriques terminou o mandato já em Dezembro de 2019, o governante prometeu novidades para breve.

“O Conselho de Administração já fechou as contas e o Governo muito proximamente nomeará a administração”, disse Brilhante Dias, em resposta ao PÚBLICO. “Será seguramente dentro de muito pouco tempo.”

Igualmente importante para os empresários é a condução do IAPMEI que, segundo noticiou o Expresso, deverá perder o presidente. Nuno Mangas, noticiou o semanário, deverá passar para a presidência do Compete 2020, o maior programa de fundos comunitários, substituindo Jaime Andrez.

A mudança de Mangas era falada nos corredores do Governo e, depois da notícia do Expresso, foi confirmada agora pelo PÚBLICO junto do executivo de António Costa que, no entanto, deixa em aberto o nome que se sucederá na liderança do IAPMEI. O secretário de Estado da Economia, João Neves, também em Milão, disse ser “prematuro dizer quais são as alterações que vão ser feitas”.

“Evidentemente, com a saída do presidente do Compete é necessário substituí-lo e neste trabalho estamos a reflectir também sobre as alterações orgânicas e de direcção dos institutos”, disse o governante que, ao lado de Brilhante Dias, foi a Milão dar um “empurrão” aos poucos empresários nacionais que não desistiram de ir à principal feira mundial de calçado.

Uma feira deserta e irreconhecível

A 90.ª edição da MICAM está irreconhecivelmente vazia. Apesar de ter dado um desconto de 40% aos empresários, a organização da feira viu o número de expositores cair de 1600 para 500. No momento da inauguração, não havia as habituais filas à entrada, a feira ocupa apenas metade dos dez pavilhões habitualmente usados e no interior não faltam clareiras em áreas onde, nas edições anteriores, se amontoavam stands.

Entre a comitiva nacional, de 33 empresas (a mais baixa numa década), viveu-se um misto de surpresa (pelo cenário deserto da feira), preocupação (pela quebra nos negócios ao longo dos últimos meses) e, apesar de tudo, alguma esperança numa retoma que tem dado alguns sinais tímidos, com algumas excepções de sucesso pelo meio.

“Quando aqui cheguei hoje, fiquei chocado”, confessa Reinaldo Teixeira, dono de cinco empresas (em Felgueiras, Celorico de Basto e São João da Madeira), tesoureiro da Apiccaps e presença de longa data na MICAM. “Nunca vi esta feira tão vazia, mas ela é obrigatória”, resume o empresário, em declarações ao PÚBLICO, depois de lançar uma nova linha de produto nesta edição.

João Neves elogia esta “coragem” e “capacidade de resistência” de quem foi na mesma a Milão, apesar de a feira ser uma mera sombra do que costuma ser. Entre os 5000 compradores inscritos, a China está ausente, a Índia está ausente, os EUA e o Canadá estão ausentes, eliminando contactos com os dois países líderes da produção mundial e dois dos mercados onde Portugal mais apostava em termos de crescimento.

José Afonso, da fábrica Cruz de Pedra (Guimarães), também é presença habitual e fala num “ano muito difícil”, ao passo que Pedro Lopes, director de marca da Ambitious (também de Guimarães), diz que as dificuldades actuais o obrigaram a sair de casa há duas semanas para um périplo de prospecção pela Europa que o levou, a ele e ao sócio, à Escandinávia, à Roménia, à Holanda, passando agora por Milão e com término na Bélgica. “Esta colecção [para 2021] foi difícil de planear, mas assim que foi possível começámos a viajar em busca de clientes, porque estes não vão viajar tanto”, justifica.

A aposta de António Valente, director comercial da YFF, foi ainda mais ousada. Ligado a uma empresa com 25 anos de história, decidiu lançar uma nova marca de calçado para mulheres em plena pandemia. E estreia-se nesta MICAM, apesar de tudo. “A diferença entre estar aqui ou não eram 3000 euros. Por esse dinheiro, tinha de vir, porque esta feira é muito importante”, justifica.

O sector lida com quebras na ordem dos 22,5% em termos mundiais (27,5% na Europa). As vendas portuguesas caem 19% no total, 17% dentro da Europa e 31,4% no mercado extracomunitário.

Notícia corrigida às 15h06: no título, corrigida a referência ao ano de 2020.

O jornalista viaja a convite da Apiccaps

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