Uma proposta simples para uma doença crónica

O Sistema Nacional de Saúde e mais especificamente o Serviço Nacional de Saúde carecem há vários anos de reformas estruturais que possam melhorar a qualidade de serviços prestados garantindo ao mesmo tempo medidas de melhoria contínua com a sustentabilidade financeira necessária.

Temos a plena consciência que, mercê de inúmeros fatores dos quais se destaca a fragilidade financeira de apoio ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) pelas razões sobejamente conhecidas, o SNS tem vindo a decair na sua capacidade de fornecer serviços de excelência numa área tão sensível e importante para os portugueses como é a sua saúde.

A pandemia veio colocar ainda mais a nu essas carências sendo que, aparentemente de uma forma paradoxal, mostrou que há resiliência no sistema não só a nível de estruturas como por parte da sua componente essencial: os profissionais de saúde. Neste último aspeto, deve-se essencialmente à sensação do “dever” que ainda existe nestes grupos profissionais, apesar de uma quase extrema sensação de abandono a que se sentem votados pelo poder político nos últimos anos.

Ao longo do tempo, muitas vozes se fizeram ouvir descrevendo os (inúmeros) problemas do SNS, assim como têm sido propostas soluções que encheriam com certeza imensas páginas A4 e variadíssimos “webinars”.

Sabemos então quais são muitos dos problemas existentes e quais as inúmeras soluções propostas a nível local ou mais generalizadas.

O problema que se coloca é que, por uma razão ou outra, não existem verdadeiras reformas estruturais que tenham tido sucesso no terreno, embora continuem a proliferar diplomas, decretos e sugestões de governação do quotidiano da saúde em Portugal. Como é hábito e típico no nosso país, há sempre legislação pronta a ser aprovada sem que os seus pressupostos e a sua viabilidade sejam ampla e previamente estudados.

O facto de todo o poder de decisão para qualquer mudança organizacional e operacional ter que passar sempre pelo crivo dos gabinetes dos ministros da tutela tem sido, em meu entender e por comparação com outros países que adotaram sistemas parecidos ao nosso, pernicioso para que as mudanças positivas e entusiasmantes possam ocorrer.

Devemos deixar aos governos do momento o poder de apontar caminhos generalizados para a Saúde e depois – tendo em conta a extrema complexidade dos sistemas de saúde, especialmente as unidades hospitalares, que são organizações muito mais difíceis de gerir que qualquer empresa de outro ramo que não a Saúde – permitir que um pequeno Conselho Executivo de um SNS profissionalizado e com liderança clínica e conhecimentos de gestão robusta possa ir recriando o Sistema Nacional de Saúde em geral, e o SNS em particular, de uma forma autónoma e responsabilizada para que as almejadas reformas possam ocorrer naturalmente com o apoio e empenho ativo dos seus colaboradores essenciais: os profissionais de saúde.

Na Nova Zelândia, onde o financiamento para a saúde vem também do Orçamento do Estado, cabe a um grupo intitulado inteligentemente de “Executive Leadership Team” a tomada de decisões executivas no seu SNS com base óbvia nas diretivas gerais emanadas do poder político. O seu presidente é um médico com conhecimentos de gestão e um líder por excelência. É óbvio que não será possível estabelecer comparações de pormenor entre sistemas, pois a população, tipo de cultura e riqueza desse país impede cópias objetivas salvo no modo como o mesmo está organizado e profissionalizado.

Na Dinamarca, com um sistema de financiamento também relativamente similar ao nosso, há uma descentralização objetiva e escalada do poder executivo na saúde, embora sob a alçada do ministro que tem muitos poderes delegados num país com muito menos habitantes e um grau de riqueza muito maior que Portugal. O “Danish Health Authority” tem uma autonomia alargada para poder verificar a aplicação uniforme de critérios, assim como acompanha os projetos em curso para que possa haver uma melhoria real e contínua dos serviços de saúde.

Na Inglaterra, onde existe um problema muito similar ao nosso no (difícil) acesso e na qualidade de serviços prestados nos últimos anos, os sucessivos governos têm mantido a aposta num SNS (NHS) autonomizado do poder político e que dirige as ações no terreno, sendo responsabilizado pelos cuidados de saúde da população. Embora seja do domínio público que o NHS precisa de mudanças de maior envergadura e orçamentos melhorados, aceita-se como um dado adquirido que a gestão profissionalizada e separada será o menor dos males para se fazer face à evolução dos projetos numa tentativa de inversão de uma tendência negativa.

Há muitos exemplos de como em outros locais a gestão de algo tão importante e complexo é encarado como fulcral, sendo que a mesma terá que ser profissionalizada assumindo sempre que a saúde é um dos pilares fundamentais na manutenção de uma sociedade com padrões adequados de proteção da sua população.

Temos que inverter uma tendência negativa no setor da saúde em Portugal assumindo sempre os pressupostos da Constituição Portuguesa e a necessidade de fortalecer este pilar essencial para a comunidade através de uma estrutura relativamente autónoma que tenha no seu topo líderes que possam de facto assumir como sua missão num tempo alargado o relançamento de um SNS mais forte e resiliente, onde os seus ativos mais importantes voltem a orgulhar-se de vestir a camisola e onde a competência seja avaliada não por paletes de consultas e cirurgias, mas sim pela qualidade em valor acrescido dos atos praticados.

Este é o desafio que urge fazer ao poder político e executivo, dizendo que estaremos todos cá para ajudar para que uma ideia possa ser transformada num ato de coragem e de serviço.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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