Principais poluidoras do plástico comprometem-se, mas não cumprem na resolução do problema

A conclusão é de uma investigação de duas organizações internacionais que analisaram as dez empresas que mais contribuem para a poluição com plástico. Por cá, amanhã arranca uma nova fase do Pacto Português para os Plásticos, com uma campanha dirigida ao consumidor.

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O plástico de uso único é um dos principais problemas para a poluição crescente por este material Daniel Rocha

As empresas que mais contribuem para a poluição através do plástico têm, ao longo dos anos, assumido diferentes compromissos no combate a essa poluição, mas, nos bastidores, fazem tudo para atrasar ou travar legislação que as obrigue efectivamente a mudar. É esta a principal conclusão de uma investigação realizada pela Changing Markets Foundation e a coligação Break Free From Plastic revelada esta quinta-feira. O relatório surge um dia antes de, em Portugal, ser lançada uma nova campanha do Pacto Português para os Plásticos, centrada no consumidor. 

Os resultados da investigação internacional, que olhou para as empresas consideradas como as dez maiores poluidoras de plástico do mundo - Coca-Cola, Colgate-Palmolive, Danone, Mars Incorporated, Mondelēz International, Nestlé, PepsiCo, Perfetti Van Melle, Procter & Gamble e Unileve -, foi divulgado pela Zero e a Sciaena, membros da coligação Break Free From Plastic, que, em comunicado conjunto, concluem: “O relatório detalha uma extensa lista de acções que os produtores de plásticos, marcas de alimentos e bebidas e grandes supermercados aplicam, de forma coordenada à escala global, para distrair, atrasar e inviabilizar qualquer legislação que tenha como objectivo acabar com a onda de poluição por plástico, que está a acontecer por todo o mundo, inclusive apropriam-se da crise da covid-19 para os seus objectivos.”

Um dos exemplos analisados é o da Coca-Cola que, ao mesmo tempo que “está comprometida, de alguma forma, com dez iniciativas voluntárias para resolver o problema dos resíduos de plástico”, faz parte de “pelo menos, sete associações comerciais que têm feito lobby contra a implementação de sistemas de depósito ou outra legislação para regulamentar o uso de plástico descartável”, afirmam.

O relatório Talking Trash - manual sobre falsas soluções das empresas para a crise do plástico refere ainda que, à velocidade a que a produção de plástico tem crescido, ele será responsável por “10 a 15% do orçamento de carbono disponível até 2050”. Já as dez empresas analisadas têm à sua conta “uma pegada plástica conjunta de quase dez milhões de toneladas por ano”. E o grande problema, refere-se ali, é que estas empresas conseguem iludir o público sobre a forma como estão realmente a agir para resolver este problema. “Muitas parecem ter um número reduzido, mas bem divulgado, de iniciativas simbólicas em geografias específicas, mas carecem de abordagens coordenadas globais para reduzir a sua pegada de plástico total”, argumenta-se no relatório. A outra forma de criar essa ilusão é “desviando a atenção de medidas obrigatórias através de compromissos voluntários bem divulgados”. 

E, a este nível, iniciativas como o Pactos para o Plásticos, promovidos pela Fundação Ellen MacArthur, e que também existe em Portugal, não aparece isento de críticas. Os autores do relatório consideram que, ao não ser atribuída qualquer responsabilização aos participantes, no caso de não se atingirem os objectivos a que se propõem, iniciativas deste género “contribuem para uma ilusão de sustentabilidade atrás da qual os produtores de plásticos e as marcas de consumo podem continuar a encher o mundo de plásticos sem represálias”.

80 participantes

Por cá, o Pacto Português para os Plásticos nasceu em Fevereiro, com mais de 20 empresas, associações e instituições, incluindo o Ministério do Ambiente e da Acção Climática, sob a coordenação da Smart Waste Portugal. Hoje, já conta com 80 participantes, entre os quais a Coca-Cola e a Zero.

Susana Fonseca, da associação ambientalista, explica que a importância do pacto não está em causa, apesar das conclusões do relatório. “O que consideramos é que há várias ferramentas que podem ser usadas para fazer frente à crise dos plásticos, e esta é uma iniciativa válida, na qual vale a pena estar. Mas o nosso foco principal tem de ser a legislação, porque essa é a abordagem mais eficaz para garantir que todas as empresas estão no mesmo contexto. Quando há legislação, todos temos de cumprir”, diz.

O Pacto Português para os Plásticos pretende atingir cinco metas até 2025: definir, até ao final deste ano, uma listagem de plásticos de uso único considerados problemáticos ou desnecessários e definir medidas para a sua eliminação; garantir que 100% das embalagens de plástico são reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis; garantir que pelo menos 70% das embalagens de plástico são efectivamente recicladas; incorporar, em média, 30% de plástico reciclado nas novas embalagens; e promover actividades de sensibilização e educação aos consumidores para a economia circular.

É neste último ponto que se enquadra a campanha Vamos Reinventar o Plástico, que será lançada esta sexta-feira, com cartazes, um vídeo e uma página na Internet, onde será divulgada informação sobre o caminho que está a ser traçado pela iniciativa. Pedro São Simão, coordenador do pacto, diz que esta campanha dirigida ao consumidor permite juntar ao grupo já formado “o elo mais importante para cumprir esta visão e objectivo colectivo”. O objectivo é levar quem compra a fazê-lo de forma mais consciente, e sempre tendo como pano de fundo “a lógica da hierarquia dos ‘R’: reduzir, reutilizar, reciclar, repensar, redesenhar e reeducar”, diz. “Queremos que na hora de decidir o que vai comprar, o consumidor evite o uso de plásticos desnecessários, como aquele saco a mais que não é preciso, que tenha essa consciência. Que saiba que se reutilizar o garrafão de água 20 vezes está a contribuir para que sejam produzidos menos garrafões. E se não for possível reutilizar, é essencial reciclar”, afirma Pedro São Simão.

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