Governo define a cada 15 dias os territórios com horários desfasados nas empresas

Obrigação de as empresas com mais de 50 trabalhadores desfasarem horários de entrada e saída ainda não abrange todo o país. “Pequeno acerto” nas regras coincide com o que muitas empresas já fazem, diz Governo.

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O desfasamento das horas de entrada e saída entre 30 a 60 minutos pretende evitar aglomerações Diogo Ventura

Depois de ouvir as centrais sindicais e as confederações empresariais, o Governo aprovou nesta quinta-feira um regime excepcional de reorganização dos horários nas empresas com 50 ou mais funcionários nos locais de trabalho.

Para já, a obrigação de desfasar os horários de entrada e saída das equipas entre meia hora a uma hora aplica-se às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Mas outros territórios poderão vir a ser abrangidos, porque de 15 em 15 dias o Governo definirá as áreas territoriais onde as regras são obrigatórias.

No final da reunião do Conselho de Ministros, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, explicou que esta medida estará em vigor “enquanto durar o combate à pandemia”. E procurou desdramatizar as dúvidas que têm sido levantadas relativamente à imposição das novas horas de entrada e saída por parte dos empregadores, lembrando que esta alteração é limitada e sublinhando que o Governo está apenas a fazer um “pequeno acerto” que vai ao encontro da “prática que já hoje acontece” em muitas empresas.

Vieira da Silva disse que o Governo, ao aprovar este diploma, teve em conta propostas de alteração sugeridas pelos parceiros sociais, mas não revelou quais. Referiu-se às novas regras como “acertos extraordinários e excepcionais”, sublinhando que “o desfasamento previsto é dentro de 30 a 60 minutos — não estamos a falar de alterações muito significativas nos horários e não estamos a falar de [imposição de] turnos [diferentes]”.

A forma como as empresas podem impor as novas horas de entrada e saída foi mal recebida pelas centrais sindicais, a CGTP e a UGT, que contestam o facto de os empregadores poderem decidir sem negociar com os trabalhadores e os sindicatos, bastando apenas fazer uma consulta prévia aos trabalhadores envolvidos e à comissão de trabalhadores ou, na falta desta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, ficando obrigados a afixar os novos horários com uma antecedência mínima de cinco dias.

A versão final do diploma ainda não é pública e, na conferência de imprensa, a ministra não clarificou que mudanças foram acolhidas pelo Governo depois de receber os pareceres dos sindicatos. 

Na versão inicial, o Governo previa que as empresas, para evitarem aglomerações, podem desfasar “as horas de entrada, saída, pausas, ou troca de turnos”, podendo alterar as horas de entrada e saída “de diferentes equipas ou departamentos com horários semelhantes, com intervalos mínimos de 30 minutos entre si até ao limite de uma hora”.

O “prejuízo sério”

Mas há algumas excepções. Desde logo, se a alteração horária “causar prejuízo sério ao trabalhador”, a empresa não o pode fazer. Mas como este é um conceito evasivo, as centrais sindicais reclamaram uma maior densificação deste ponto — não se sabendo, porém, se esse foi um dos tópicos revisitados pelo executivo.

A CGTP propôs que o Governo esclarecesse esse conceito, especificando como é que o “prejuízo sério” pode “ser invocado e com que fundamentos e quem aprecia a existência deste prejuízo”. A UGT lembrou que este “é um conceito indeterminado — já existente na lei, é um facto — mas cujo exacto apuramento obriga frequentemente a longos anos de processo judicial”, o que, diz, é “manifestamente desadequado” para uma situação transitória como a actual. A própria UGT levantava já uma série de dúvidas: “Em última instância, o trabalhador que alegue a existência de prejuízo sério o que deverá fazer? E se o empregador não aceitar? O trabalhador não será obrigado a cumprir o horário alterado ou simplesmente arrisca-se a perder o seu posto de trabalho? E que intervenção poderá ter a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)?”.

Certo é que, além da questão do “prejuízo sério”, o Governo deixava claras outras situações excepcionais em que os novos horários podem ser recusados. Um trabalhador com um filho menor de 12 anos a seu cargo tem o direito de não aceitar a alteração indicada pela empresa. Também as trabalhadoras grávidas, as trabalhadoras que amamentam o filho, os trabalhadores menores e os trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica estão dispensados de trabalhar de acordo com os novos horários, quando esse modelo prejudicar a sua saúde ou segurança no trabalho.

Além da alteração dos horários, o mesmo diploma vem tornar obrigatório — para as empresas dos tais territórios que vão sendo definidos de 15 em 15 dias — que se deve aplicar uma rotatividade das equipas em espelho. Os empregadores devem “criar equipas estáveis, de modo a que o contacto aconteça apenas entre trabalhadores de uma mesma equipa”. E, para as equipas que estão escaladas para o local de trabalho, “alternar as pausas para descanso entre equipas”.

Relativamente ao teletrabalho, o Governo estabelece que as empresas devem promover essa modalidade “sempre que a natureza da actividade o permita”.

O Governo já tinha aprovado um decreto-lei na generalidade na reunião do Conselho de Ministros da semana passada, a 10 de Setembro. Depois, pediu aos parceiros que emitissem um parecer; e aprovou nesta quinta-feira a versão final.

Do lado dos empregadores, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal António Saraiva, dizia ao PÚBLICO esta semana que o modelo definido pelo Governo se assemelhava às práticas que a maior parte das empresas já adoptou para conter a propagação da covid-19, o que a ministra da Presidência também referiu.

A CGTP, embora reconhecendo que o desfasamento de horários “pode contribuir para a mitigação dos riscos” sanitários, veio alertar na quarta-feira que o desenho das regras previsto na primeira versão é “demasiado gravoso” ao deixar “nas mãos dos patrões o poder de dispor da vida dos trabalhadores”, porque aos funcionários ou às comissões de trabalhadores apenas há uma “mera ‘consulta’”.

A central sindical liderada por Isabel Camarinha diz não aceitar que “à ideia de desfasamento de horários se aproveite para acrescentar a ‘promoção do trabalho por turnos’ ou o trabalho nocturno”, considerando que “não é por introduzir horários mais penosos e desregulados que se responde ao problema de saúde”.

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