Uma nova dinâmica para os portos portugueses

Dotar Portugal de Portos de Nova Geração – automatizados e ambientalmente amigos – é essencial para o nosso desenvolvimento sustentável.

A estratégia nacional para os portos portugueses do continente foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 175/2017 e, no seu essencial, mantém-se actual. Mas creio ser oportuno revisitá-la, para que se tenha em conta duas novas dimensões e sublinhar uma terceira. Em primeiro lugar, a digitalização e a aplicação do 5G; em segundo lugar, a descarbonização; em terceiro, as acessibilidades e a interoperabilidade, tema mais clássico, mas ainda por cumprir cabalmente.

1. O 5G aplicado aos portos

A quinta geração de comunicações móveis vai revolucionar a actividade portuária. A enorme conectividade de dispositivos que permite, a baixa latência e a velocidade acrescida vão abrir caminho para novas formas de gerir as operações em, pelo menos, três vertentes: (a) Nos processos de monitorização dos contentores e das mercadorias dentro deles (alfandegário, securitário, sanitário). A rede de satélites de baixa latitude utilizando a banda dos 26 Ghz permitirá esse acompanhamento, com ganhos de eficiência no processamento portuário; (b) Nas operações de carga e descarga, em que a mão de obra de penosidade e risco físico associadas poderá ser progressivamente complementada por operadores de informática portuária, programando a intervenção desde o navio à rodovia ou ferrovia, com veículos automatizados, optimizando a intervenção com IA e maximizando o tempo, podendo operar 24h e, portanto, reduzindo os custos de atracação, de combustível, rentabilizando navios e rotas, etc.; (c) No surgimento dos navios autónomos, em que a decisão de navegação é informada por variáveis (climáticas, ondulação, correntes, ventos, características do navio, etc.) que a IA e o 5G permitirão tomar, com maior rigor e menos riscos. Sim, vamos ter saudades dos intrépidos capitães descobridores, de astrolábio, sextante e cálculos à mão. Também não há já mais nada para descobrir, excepto algumas ilhas de plástico… O país precisa, pois, de estimular a criatividade informática e de desenvolver aplicações 5G utilizáveis nos portos. Não é por acaso que a Comissão Europeia os identifica como uma das áreas de enorme potencial, de par com a logística e os transportes rodoviários. Na Noruega e na China há já experiências no terreno. Portugal não precisa de aguardar pelo leilão 5G para que a indústria naval e as Administrações portuárias preparem o futuro.

2.  A descarbonização dos portos

O roteiro europeu para a neutralidade carbónica em 2050 e a implementação do Plano Nacional para a Energia e Clima (PNEC) até 2030 implicam acções concretas a três níveis. Em primeiro lugar, a montante, nos navios. A substituição dos combustíveis de propulsão tradicionais (fuel) por energias alternativas tem de fazer o seu caminho. Do gás liquefeito ao hidrogénio (em linha com a estratégia nacional respectiva), passando pela electricidade e outras possibilidades, a indústria e a investigação têm de evoluir. Fá-lo-ão mais depressa se forem penalizadas ou incentivadas fiscalmente, consoante contribuam para manter a pegada fóssil ou para a diminuir. Além da energia, igualmente a armazenagem e processamento dos resíduos gerados deverá evoluir, para acabar com a transformação dos oceanos numa enorme lixeira sanitária. A monitorização 5G irá permitir uma fiscalização rigorosa. Acresce que mesmo num contexto de energia tradicional, navios de maior dimensão, mais eficientes, permitem menos percursos para maiores cargas e, portanto, menos carbono.

Em segundo lugar, nos portos em si mesmos. Na relação com os navios, por exemplo, instalando centrais de alimentação elétrica a que as embarcações se poderão conectar, para evitar o consumo dos geradores próprios, muito intenso nos navios de cruzeiros. Em Lisboa, estava já em curso um protótipo entre a EDP e a APL para instalar uma central no terminal de cruzeiros; por exemplo, na recolha e tratamento dos resíduos em terra. Nas suas próprias instalações, instalando toda a panóplia de novas tecnologias e energia ambientalmente amigas e procedimentos de gestão menos geradores de emissões de carbono.

3. Acessibilidades marítimas, rodoviárias e ferroviárias, plataformas logísticas e portos secos

Todo os portos portugueses do continente têm em curso a melhoria dos seus canais de navegação e investimentos vários em cais, molhes, terminais e acessos viários ou ferroviários, num montante total de investimento de 2013,3 milhões de euros (M€) (sendo 1599,75 M€ de investimento privado). A estratégia de ganhar dimensão para receber navios de maior porte e de optimizar o escoamento a jusante deve prosseguir.

Sines é o único porto português com vocação e condições de “transhipment“, mas enfrenta a concorrência dos portos de Valência, Algeciras, Tânger Med e Barcelona. É o nosso maior porto, mas é o que menos movimenta contentores dos cinco. Num contexto de incertezas, o encerramento da central de carvão, a emergência do hidrogénio, a oferta muito generosa de espaço logístico, o novo terminal Vasco da Gama, tudo são vectores que vão influenciar muito o seu desempenho. Numa geografia mediterrânica concorrencial agressiva, a acessibilidade ferroviária e rodoviária francas são essenciais. Não se deve perder a oportunidade do Fundo de Recuperação e Resiliência (IRR) para levar a autoestrada em contínuo até ao porto e a ferrovia para mercadorias até Espanha. 

Os outros portos têm natureza diferente (“gateway”, “direct shipment”) e são, sobretudo, portos essenciais ao respectivo “hinterland”, acrescentando Lisboa a essa característica, a do transporte para as ilhas. Leixões precisa de ser melhor estruturado e de ter melhores acessos marítimos, o que implica a extensão do quebra-mar e alterações em espaços actualmente ocupados (náutica de recreio e porto de pesca). Aveiro tem um enorme potencial, com três possíveis cais de cerca de 1000 m cada um e 40 ha de área logística, mas precisa de reformular a acessibilidade marítima. Viana, Setúbal e a Figueira têm clientes estratégicos para o País. Lisboa tem um problema de competitividade para resolver, afectada por greves crónicas insensatas.

O recurso à novel figura dos “portos secos” permitirá suprir a escassez de espaço logístico de alguns dos nossos portos. O tratamento integrado da informação (alfandegária e dos operadores) por via eletrónica, com total controlo da circulação dos contentores e composições ferroviárias ao longo do trajeto entre portos secos e molhados, trará inúmeras vantagens reduzindo garantias bancárias, eliminando estrangulamentos administrativos e simplificando toda a cadeia logística.

4. Portos de nova geração

Os portos portugueses estão já a ficar menos burocráticos e mais desmaterializados, através da JUL (Janela Única Logística), por onde passa toda a “papelada” com óbvios ganhos de produtividade e torna os corredores marítimo/ferroviários inovadores e mais competitivos.

Portugal precisa agora de mais tecnologia nas operações de estiva, mais “Greenshipping” na navegação, mais acessibilidade e intermodalidade plena, rodoferroviária. E, claro, barras maiores e mais fundas. Não se trata de retórica voluntarista. Trata-se de criar condições para maior competitividade. Sem automatismos e IA, sem o 5G, os nossos portos desempenharão mais devagar e pior e perderemos clientes (ou não os conseguiremos atrair). Sem navios amigos do ambiente e portos preparados para os acolher, a curto prazo haverá ónus tributários por desrespeito das metas ambientais.

Dotar Portugal de Portos de Nova Geração – automatizados e ambientalmente amigos – é, por isso, essencial para o nosso desenvolvimento sustentável.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico                    

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