Depressa e bem

Resta-nos agora, a todos, ter a humildade de reconhecer que as fórmulas do passado, de anteriores períodos de programação de fundos comunitários não são suficientes. É preciso pensar de novo, pensar diferente.

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O país vai ter de fazer mudanças na programação e gestão do próximo ciclo de fundos comunitários paulo pimenta

“Depressa e bem, não há quem”, diz o provérbio popular. Mas há contextos em que não fazer depressa é não fazer ou fazer mal. É a circunstância atual da aplicação dos Fundos Europeus em Portugal. Os cerca de 57,9 mil milhões de euros serão decisivos para recuperar Portugal e cuidar do futuro. Este montante representa uma execução anual de cerca de duas a três vezes superior a qualquer dos anteriores períodos de programação das políticas da União Europeia. Só o Plano de Recuperação Económica exige uma aprovação de 70% nos dois primeiros anos.

Depressa e bem constitui, pois, uma enorme responsabilidade. Uma responsabilidade que é partilhada, envolvendo Governo, instituições públicas e promotores. O Governo porque é responsável pelo estabelecimento de prioridades, da arquitetura de programação, do modelo de governação ou da adicionalidade relativamente à contrapartida pública nacional. As Autoridades de Gestão dos programas operacionais (por ex. as CCDR, Compete) e os respetivos Organismos Intermédios (por ex. Turismo de Portugal, AICEP, IAPMEI, CIM) porque são quem tem de assegurar o lançamento de concursos, a análise de candidaturas, os pagamentos aos beneficiários, o acompanhamento da execução física e financeira dos projetos, a que acresce o papel chave de coordenação da Agência para o Desenvolvimento e Coesão.

Por fim - e não menos importante - os milhares de promotores públicos e privados porque são eles os responsáveis pela conceção e apresentação de bons projetos, de os executar nos prazos previstos e de cumprir os objetivos e os resultados contratados. Sendo uma responsabilidade partilhada, existem sete virtudes capitais para se executar depressa e bem:

1. Planeamento e mobilização de atores - este é um trabalho que não dispensa ninguém. Em muito poucas circunstâncias da nossa história recente o futuro dependeu tanto do que coletivamente formos capazes de pensar e planear no presente. Uma primeira versão do Plano de Recuperação Económica de Portugal, elaborada por António Costa Silva, foi apresentada para discussão pública, tendo, entretanto, recebido inúmeras propostas e contributos da sociedade civil – que será brevemente também objeto de debate político na Assembleia da República. A estas (boas) iniciativas devem-se seguir outras de aprofundamento deste debate em todo o território nacional, envolvendo as Regiões e os seus territórios. Sim, o planeamento e a execução de políticas públicas são processos em contínuo;

2. Alinhamento estratégico e seletividade - os projetos a financiar devem-se enquadrar nas prioridades estratégicas dos diferentes instrumentos de política pública (ex. PNPOT, PNEC, PNI 2030 ou as agendas do PORTUGAL 2030). Os documentos estratégicos sobre os quais existe consenso alargado devem ser considerados;

3. Escala e complementaridade do investimento público – os projetos devem dispor de escala adequada e efetivo impacto na qualidade de vida das populações. Nos pavilhões gimnodesportivos, centros culturais ou outros equipamentos coletivos, importa ponderar a relação custo-benefício, apostando mais na valorização dos equipamentos atuais – no software – do que na construção de novos equipamentos. Importa também privilegiar a escala intermunicipal, a qual pressupõe complementaridade e trabalho em rede face a uma realidade institucional quantas vezes atomizada e fragmentada;

4. Simplex – é indispensável desenvolver um “simplex” para os fundos comunitários, nomeadamente dos que se irão enquadrar nos Programas Operacionais da Política de Coesão do período 2021-2027. Sem prejuízo do necessário rigor na análise e acompanhamento dos investimentos, é fundamental continuar a agilizar procedimentos, a eliminar barreiras burocráticas e a cumprir prazos de lançamento de concurso e de análise de candidaturas e respetivos pedidos de pagamento;

5. Previsibilidade – É necessário planeamento e comunicação pública atempada de calendário dos concursos e cumprimento dos prazos de análise e decisão das candidaturas, independentemente de serem mais longos ou mais curtos. O investimento público em infraestruturas e equipamentos deve ser previamente planeado e contratualizado com as entidades competentes, para que possa ser executado de acordo com os respetivos cronogramas, sem necessidade de concursos e prazos adicionais. Contratualização com sustentação de investimentos e com responsabilização das partes com prazos concorre para executar depressa e bem;

6. Proximidade e cooperação – a descentralização é decisiva para se responder depressa e bem a esta crise. A economia e a sociedade têm chão e esse chão não é sempre o mesmo. É na interação com as instituições que conhecem os seus problemas e oportunidades que se encontram as soluções para cada território concreto e os seus agentes. É necessária mais gestão de proximidade das políticas públicas, assumindo as CCDR e as Entidades Intermunicipais um papel chave;

7. Estruturas de Gestão - o trabalho realizado pelas atuais estruturas de gestão do PORTUGAL 2020 deve ser reconhecido. O Estado português tem sido elogiado (e bem) pelo trabalho desenvolvido na gestão dos diferentes períodos de programação. No entanto, no atual contexto, quando se exige um enorme incremento dos habituais ritmos de execução, estas estruturas necessitam de ser reforçadas. É preciso que alguém faça depressa e bem no dia-a-dia, na análise das candidaturas, no processamento dos pagamentos, no acompanhamento da execução dos projetos.

Por muito que se melhore a eficiência dos processos, não se pode pedir aos de hoje que dupliquem ou tripliquem a sua produtividade. Para resposta a uma crise tão profunda, a Comissão Europeia mobilizou o maior pacote de fundos europeus de que há memória. Resta-nos agora, a todos, ter a humildade de reconhecer que as fórmulas do passado, de anteriores períodos de programação não são suficientes. É preciso pensar de novo, pensar diferente. Um desafio que convoca todos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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