Temos tudo para que corra mal

A escassos momentos do regresso às aulas, mesmo que parte do ensino privado já o tenha feito, estarão as escolas estatais preparadas? Não! Passo a explicar porquê.

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Nelson Garrido

Quando em março as escolas fecharam, fizeram-no devido à possibilidade de descontrolo da propagação de um vírus, à época pouco conhecido. Os pais, assustados, foram os primeiros a deixar de levar os filhos à escola. O Governo acompanhou e mandou fechar todas. E bem! Fez-se exatamente aquilo que havia sido feito por esse mundo fora, nuns casos mais tarde, noutros mais cedo, mas a maioria dos países fizeram-no.

Percebeu-se rapidamente que a situação não teria controlo antes de meados de 2021, ou seja, nunca alcançaríamos, enquanto mundo globalizado, a imunidade antes disso. Pareceu-me lógico que o Governo, nessa mesma altura, tivesse começado a preparar setembro e tive a oportunidade de, em maio, fazer uma chamada de atenção para esse facto. Era imperioso que se pensasse no regresso, quando, como e em que condições. Na altura, fui acusado de pioneiro bacoco: ainda o ano letivo não tinha terminado e já queria que se pensasse em algo tão distante. Pois bem, talvez se o Ministério tivesse de facto preparado o regresso desde essa altura, não estivéssemos hoje a vivenciar esta realidade, bem distante do ideal.

Sabemos que os tempos são de incerteza, não sabemos o que acontecerá no futuro relativamente ao desenvolvimento da pandemia, mas sabemos há bastante tempo como podemos minimizar a sua propagação. No entanto, continuam aqueles que nos governam a olhar para a educação como algo que só dá despesa, sem nunca conseguirem perceber que uma sociedade se constrói a partir da educação. Não vale a pena virem todos os dias para a televisão passar a mensagem de que tudo vai bem pelas escolas, de que tudo está preparado, de que tudo foi feito, quando isso não passa de um número de ilusionismo. Na realidade, foi feito o máximo do mínimo, que é manifestamente pouco.

Desde logo, a recusa em alterarem o número de alunos de turma, nem que fosse de forma provisória, com a argumentação de que as escolas não crescem, mas sabendo nós que as salas vazias existem e que até vão servir de cantina. Não só não diminuíram como em alguns casos aumentaram, o que torna tudo isto uma enorme falácia. Turmas com excesso de alunos são aprovadas, contrariando a própria lei, mas cumprindo as restrições orçamentais.

Na tentativa de contrariar o excesso de alunos, algumas escolas pensaram, e bem, em desdobrar turmas. Ao abrigo da autonomia, poderiam fazê-lo, proclamava a tutela nos média nacionais. Mas na prática a situação era outra: só poderiam desdobrar se isso significasse zero aumento de custos, mais uma enorme falácia.

O que têm as escolas, afinal, preparado para o início? Pouco, muito pouco. Para além dos horários desfasados, tanto quanto possível, as setas dos percursos pintadas no chão, o álcool-gel, em escassos doseadores (não há dinheiro para os comprar), e as máscaras que serão distribuídas. Não há mais nada. Mas anunciam-se mais assistentes operacionais, professores, técnicos, que demoram a chegar e com certeza não serão suficientes.

Sem um número suficiente de assistentes, o cumprimento das muitas regras impostas será impossível de garantir: quer os percursos, quer a higienização, quer o uso adequado da máscara.

Se juntarmos a isto tudo a falta de recursos para a transição, assim que necessário, para o ensino à distância ou misto, então temos mesmo tudo para que corra mal.

Nas escolas, os computadores são os mesmos há décadas. Parece que a renovação do parque informático está em andamento, mas em modo invisível. A internet funciona mal ou simplesmente não funciona. Os alunos continuam à espera do prometido portátil, os professores também… Chegarão, não sabemos quando, mas chegarão!

E como se isto tudo não bastasse, temos ainda o incentivo do Governo às baixas dos professores de risco. Claro que é mais fácil e sobretudo mais barato mandar os professores de risco de baixa para casa, alegando que o teletrabalho não é compatível com a atividade letiva. Agora, porque nos últimos meses foi o que aconteceu. A solução poderia passar por estes professores ficarem responsáveis pelos alunos de risco, posteriormente, substituírem os professores que ficarão doentes e que obriguem os alunos a ir para casa, ou outra solução qualquer. Mas a que arranjaram foi só mais uma demonstração de desrespeito pelo professor.

Como cereja no topo do bolo, coloco alguns pais que na realidade se estão a marimbar para o que se passa nas escolas e por isso não exigem que se cumpram as medidas, como em todos os outros serviços do país. Jantares de família com mais de dez pessoas, não é possível. Frequentar a escola, com toda a impreparação que relatei, com mais 150 pessoas, tudo bem!

Espanta-me também a postura de acólitos a que se prestam alguns colegas que ocupam cargos de chefia e que perdem, por isso, a noção da realidade. Exigem reuniões presenciais para tornar normal o início de um ano letivo que tem pouco de comum.

É imperioso recomeçar, já o disse e repito, mas assim não. Assim, correrá mal!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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