O PS é assim, mudo?

Estará António Costa a fazer um compasso de espera para deixar respirar esta nova candidatura, deixá-la ganhar força sem apoio directo mas também sem hostilidade?

1. Antevendo o avanço de Ana Gomes, António Costa pediu contenção aos seus ministros sobre as eleições presidenciais. Esta semana, quando essa candidatura se tornou oficial, os dirigentes nacionais do PS ignoraram o assunto. Até quando? E esse silêncio não poderá ser afinal positivo? Estará António Costa a fazer um compasso de espera para deixar respirar esta nova candidatura, deixá-la ganhar força sem apoio directo mas também sem hostilidade?

Aquilo a que assistimos nos últimos meses, com dirigentes nacionais a atacar Ana Gomes, interessará mesmo a António Costa? O primeiro-ministro quer - claro, percebe-se - continuar a conviver com Marcelo Rebelo de Sousa em Belém, mas interessa-lhe que este tenha uma votação reforçada em relação ao anterior mandato? Porfírio Silva, na última reunião da comissão política, em Maio, demarcou-se de um apoio a Ana Gomes, argumentando que não se responde a populismo de direita com populismo de esquerda e criticando quem havia dito que o PS foi um instrumentos de corruptos. Fará algum sentido agora esse tipo de ataques?

Ana Gomes irritou muitos socialistas ao pedir em vésperas do último congresso do PS que aquele momento fosse uma “oportunidade para escalpelizar como [o PS] se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos”. Mas António Costa é um político pragmático. Precisa de continuar a levar Marcelo Rebelo de Sousa ao colo? Ou aquele apoio de surpresa na Autoeuropa não terá servido mais para distrair as atenções da promessa de não injecção de mais dinheiro no Novo Banco sem nova auditoria, que fez no Parlamento aos deputados e que não cumpriu, e não é para ser repetido da mesma forma esfuziante?

2. A outra candidata que se apresentou esta semana foi Marisa Matias, que conta com o apoio entusiasmado do BE. Na curta declaração que fez, deixou claras as diferenças em relação ao actual Presidente da República. Nesse aspecto, foi mais dura do que Ana Gomes para o actual chefe de Estado, embora na entrevista ao PÚBLICO/Renascença tivesse qualificado o seu mandato de “exemplar”, o que não deixa de ser estranho.

Marisa Matias, eurodeputada, apresentou-se como republicana, laica e socialista, piscando o olho ao PS, repetindo a definição que Mário Soares fazia dele próprio. Parecia que escrevera o discurso antes de saber que Ana Gomes iria mesmo ser candidata. Ou então não acreditou. Tal piscadela de olho faria sentido se Marisa estivesse a disputar de forma isolada o primeiro lugar à esquerda face ao vazio vindo da área do PS. Mas, entretanto, as coisas mudaram e estas duas personalidades sobrepõem-se em vários pontos, como as duas já admitiram. A grande diferença ideológica será no campo da integração europeia, o que por si só não será com certeza determinante para ajudar o eleitorado a decidir. As duas candidatas têm por missão combater os extremismos, defender a democracia, não deixar que ninguém fique para trás na sociedade, elevar o debate nesta campanha.

Em Janeiro, o fundador do BE, Francisco Louçã, recuava-se praticamente a comentar a eventual candidatura presidencial de Ana Gomes, considerando que, a concretizar-se, essa candidatura seria “oportunismo de circunstância”. Pelo que ficámos a saber esta semana, na apresentação de intenções destas duas candidaturas, não vislumbro em nenhuma delas qualquer oportunismo. Pelo contrário. 

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