Saúde Pública? Sim, obrigado!

A DGS deve ser a entidade a assumir a tutela integral da Saúde Pública. É urgente tomar decisões que nos preparem melhor para aquilo que aí possa surgir no desenvolvimento desta pandemia. Não há tempo a perder, porque o vírus está sempre a “trabalhar”!

Continuamos em plena guerra pandémica devido ao desgraçado covid-19 e não sabemos ainda como esta situação é susceptível de evoluir nos tempos mais próximos.

Em meados do século XIX, a epidemia de cólera durou vários anos e no século XX a epidemia de gripe pneumónica durou cerca de dois anos (1918/1920).

Embora tenham passado já cerca de 100 anos e o nível de conhecimentos técnico-científicos seja hoje incomparavelmente superior, o que é claro é que estamos perante um agente infeccioso novo e com padrões de comportamento até aqui desconhecidos.

Pode-se considerar que todos foram apanhados de surpresa e que mesmo os meios científicos e médicos mais evoluídos andaram diversas semanas à procura de explicações e com programas de investigação intensiva, de modo a formular as medidas mais eficazes de combate à disseminação viral.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), que é a instituição de referência mundial a nível da saúde, dispõe de milhares de técnicos e de cientistas a trabalhar em permanência em projectos de investigação de grande complexidade, oriundos de múltiplos países, teve uma atitude inicial de grande prudência, mas onde foram também evidentes diversas hesitações, mostrando, de forma clara, que estava confrontada com um problema novo, para o qual não dispunha de respostas imediatas.

As respostas foram sendo sucessivamente ajustadas à medida que iam surgindo resultados das investigações em curso.

No entanto, importa sublinhar que a OMS avançou de forma célere para a decisão de decretar a situação pandémica, enunciando logo as regras elementares de protecção e prevenção.

Os países que subestimaram a pandemia em impetuoso desenvolvimento e cujos sistemas de saúde estavam, e estão, muito fragilizados por largos anos de políticas neoliberais de asfixia e desarticulação dos serviços públicos, em concreto a saúde, têm sofrido um impacto ainda mais violento, com muitos milhares de vidas humanas perdidas.

Tentando iludir a opinião pública acerca das suas volumosas responsabilidades no desdém pelos valores da vida, esses países desenvolveram uma histérica campanha contra a OMS, culpando-a de tudo o que eles não conseguiam ou não queriam executar no combate à pandemia.

Comparativamente com a generalidade dos países europeus, o nosso país tem conseguido aguentar este violento embate com custos menores e com respostas dos profissionais de saúde de inexcedível empenho e espírito de sacrifício.

E isso deve-se ao SNS, às equipas de saúde e à liderança política na saúde quanto à condução e articulação das respostas.

Desde o início da pandemia que, de imediato, as equipas multidisciplinares da Saúde Pública começaram a sua intervenção no terreno, na incessante identificação e interrupção das cadeias de transmissão, trabalhando sem horários e sem fins-de-semana.

Há que ter bem presente que a tutela técnica das autoridades de saúde espalhadas pelo país cabe à Direcção-Geral da Saúde, que é a autoridade de saúde nacional.

Nesse sentido, é de estranhar a mais recente campanha de hostilização à Direcção-Geral da Saúde (DGS) por parte de várias entidades, desde partidos políticos até, mais recentemente, ao Presidente da República.

Durante cerca de seis meses, a sua directora-geral tem estado quase todos dias em frente dos órgãos de comunicação social com a dolorosa e ingrata tarefa de anunciar mortes e novos casos de doentes infectados, quando tudo isto diz respeito a vidas humanas perdidas ou em grande risco.

Além disso, tem ainda as delicadas tarefas de articular as acções no terreno das autoridades de saúde e de tomar as decisões quanto às autorizações de eventos e suas restrições, alguns deles de grande impacto político, social, económico e religioso.

Ou seja, a DGS, por imperativos das suas competências legais, está obrigada a “trabalhar sobre brasas” evitando aos vários segmentos do Poder político pesados ónus sociais e eleitorais pelas decisões tomadas, dado que elas não são “simpáticas” nem populares, e depois estes mesmos segmentos, como o PR, adoptam atitudes lamentáveis de querer utilizar uma luta sem descanso contra a pandemia para fins políticos que lhe são alheios.

A Saúde Pública não pode ser utilizada como arma de arremesso político.

Naturalmente que a DGS teve ao longo destes meses situações de hesitação e abordagens com aspectos contraditórios, mas, se repararmos bem, essas situações acompanharam sempre as prévias atitudes análogas por parte da OMS.

Nos últimos dias, até a chanceler Angela Merkel veio reconhecer a importância decisiva da saúde pública no combate à pandemia e a necessidade de a reforçar a longo prazo.

Só que esta necessidade de reforço tem de se concretizar a muito curto prazo, porque a pandemia continua aí a fazer grandes estragos.

Tendo claramente esta percepção, o Ministério da Saúde, por cá, tomou já a decisão de triplicar o número de vagas para formar novos médicos especialistas de saúde pública.

Ao longo da história, e particularmente no século XIX no nosso país, quando se verificaram graves crises sanitárias, isso obrigou à adopção de medidas imediatas no plano organizativo, de criação de entidades específicas e de redistribuição de meios humanos e financeiros.

Na minha mera opinião pessoal, o SNS necessita de um plano urgente de reorganização dos serviços e das estruturas de gestão.

A nível da Saúde Pública, uma medida imediata seria acabar com a dupla tutela das suas equipas: de um lado a DGS e do outro os agrupamentos de centros de saúde e as Administrações Regionais de Saúde (ARS).

Esta situação tem provocado múltiplas situações paralisantes, com repercussões negativas para a concretização dos objectivos do trabalho quotidiano nesta delicada área da saúde.

A DGS deve ser a entidade a assumir a tutela integral da Saúde Pública.

É urgente tomar decisões que nos preparem melhor para aquilo que aí possa surgir no desenvolvimento desta pandemia.

Não há tempo a perder, porque o vírus está sempre a “trabalhar”!

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