O lápis azul e o cartão amarelo

Tivéssemos ouvido as palavras de Maria Clara Sottomayor em defesa dos direitos humanos das crianças e tivéssemos atuado e talvez não estivesse mais uma mãe morta e mais uma criança a lutar pela vida.

No dia 3 deste mês mais uma mulher foi assassinada a tiro pelo marido. Era vítima de violência doméstica há 16 anos e tinha um filho com nove anos, que assistiu ao homicídio e foi vítima de acidente de carro provocado pelo progenitor para causar a morte de ambos. Esta criança estava em residência alternada. Esta mãe que tentou sair de uma relação violenta viu-se impedida de proteger o seu filho da violência e acabou assassinada. A justiça não os protegeu.

No dia 8 deste mês, cinco dias após mais um femicidio, o Conselho Superior da Magistratura, órgão responsável pela ação disciplinar e de salvaguarda da independência dos juízes, toma uma decisão.

Aplicar uma sanção de advertência não registada, independentemente de ser instaurado processo disciplinar, à juíza conselheira Maria Clara Sottomayor.

Ocorre-me logo um castigo a uma menina malcomportada que insiste em ter voz e opinião.

Ou, melhor, ainda é um cartão amarelo, como afirmou o Expresso em noticia em 09.09.2020 às 12h32, que posteriormente alterou – “Embora a pena disciplinar de advertência não registada não tenha consequências do ponto de vista jurídico, trata-se de um cartão amarelo mostrado a Clara Sottomayor, conhecida pelas posições em defesa do feminismo.

Mas, afinal, o que fez a juíza conselheira Maria Clara Sottomayor?

Reagiu com indignação à morte da Valentina, uma menina de nove anos, exatamente a mesma idade do menino que viu a mãe ser assassinada e se encontra a tentar sobreviver no hospital. Valentina morreu às mãos do seu progenitor e já tinha tentado pedir ajuda fugindo, resultando este pedido de ajuda desesperado num processo de promoção e proteção arquivado. E sim, ainda não há condenação e existe, portanto, a presunção de inocência que, no entanto, não implica uma convicção de inocência, como se sabe.

Disse a juíza conselheira Maria Clara Sottomayor, em comentários que inclusive pensava privados, e que não assumem o caracter de critica a decisões de um processo, que tudo deveria ser investigado. “Que os processos de regulação das responsabilidades têm que ser estudados para se analisar o que poderia ter sido feito para evitar o crime.”

Tivéssemos ouvido estas palavras em defesa dos direitos humanos das crianças e tivéssemos atuado e talvez não estivesse mais uma mãe morta e mais uma criança a lutar pela vida.

Como já referi anteriormente, as formas de discriminação e de violência de género contra as mulheres mudam com o tempo, e atualmente aparecem até pintadas de azul e amarelo. E não, não são ouro sobre azul.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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