O caminho não é para casa

De vez em quando é preciso um grito para nos mantermos acordados.

Estava escrito. Chamemos-lhe segunda vaga, chamemos-lhe contexto internacional, regresso de férias, arranque das aulas ou simplesmente olhar com apreensão a subida de novos casos. Quem estivesse atento, em vez de se deixar perder por epifenómenos como a Festa do Avante!, perceberia que estamos ainda longe de nos livrarmos da praga do coronavírus e que aquilo que fomos aprendendo duramente ao longo desta crise continua a manter toda a sua validade, pelo menos até que se consiga produzir uma vacina eficaz.

Lavar as mãos, usar máscara, preservar a distância social, apesar de ser de uma banalidade atroz dizê-lo, são cuidados individuais que continuam a ter toda a validade, mesmo que, olhando para os ajuntamentos nocturnos nas grandes cidades no passado fim-de-semana, pareça que há muitos que já o esqueceram.

Conseguir ter um sistema de rastreio eficaz, testar o mais possível, vigiar para que haja camas suficientes nos cuidados intensivos e ventiladores para quem precisa, continuam a ser as medidas mais eficazes que o sistema de saúde tem para assegurar que o coronavírus tem o menor impacto possível.

Mantendo-se tudo isto inalterado, é preciso dizer que faz sentido o reforço de medidas anunciado pelo Governo , nem que fosse para reafirmar a pertinência do que atrás foi enunciado. De vez em quando é preciso um grito para nos mantermos acordados. E ainda é mais necessário se quisermos ao máximo evitar o recurso derradeiro, que é tomar o caminho de regresso a casa, voltar ao confinamento. O Governo parece empenhado nisso e, olhando para os sinais de crise, todos deveríamos estar.

Dito isto, há áreas em que se esperaria bastante mais, a começar pelo que se continua a passar nos lares. A barreira mediática que virá com o recomeço das aulas não nos pode fazer esquecer o que aí se tem sucedido nem que os grupos de maior risco continuam a ser os mais velhos.

A ideia que a maioria dos estabelecimentos comerciais só pode abrir depois das 10h00, tentando retardar a entrada de muitos no fluxo urbano, também pode ser vista como a admissão da dificuldade do executivo em controlar o número de pessoas nos transportes públicos. O regresso da oferta a 100% é uma boa medida, mas tarda e convém verificar se vai ser mesmo verdade.

Por último, é muito difícil de perceber porque só agora, a poucos dias de entrar em vigor a situação de contingência, é que surge um “conjunto de medidas que visam a organização do trabalho em espelho”, que ainda estão à espera de ser apresentadas aos parceiros sociais na próxima semana. Um pouco tarde para quem quer muito evitar o regresso a casa, não?

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