Nesta adega de Belém faz-se vinho com uvas de Lisboa e Setúbal

Trazem uvas de castas portuguesas para a cidade de Lisboa e é aqui que agora estão a produzir vinho com a ajuda de toda a família Moreira & Picard. A Adega Belém inclui loja e sala de provas.

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A Adega Belém fica no centro de Lisboa e produzirá este ano o primeiro lote de vinho inteiramente neste espaço Diogo Ventura
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Sala de provas da Adega Belém Diogo Ventura
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Adega Belém Diogo Ventura
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Diogo Ventura
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Adega Belém Diogo Ventura
Vinho
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Adega Belém Diogo Ventura

A Adega Belém assume-se como uma “adega urbana” e fica localizada, na zona de Lisboa que lhe dá nome, numa antiga oficina mecânica. À entrada, na sala de provas, vêem-se penduradas na parede as ferramentas que foram deixadas para trás. O negócio mudou mas continua a ser uma oficina, só que agora de vinhos. A um passinho do MAAT, o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, a adega tem a particularidade de trazer as uvas para a cidade e aqui produzir o seu vinho, procurando fazer uma simbiose quase perfeita entre uma produção moderna e tradicional.

Recém-inaugurado, o espaço, que inclui loja e sala de provas, tinha planos, na verdade, para abrir ao público em Março – mas, como nos aconteceu a todos, a chegada da pandemia trocou-lhe as voltas e obrigou-os a repensar e a adiar a abertura de portas. Antes disso, já tinham decorrido dois anos de atrasos devido a complicações com as licenças. Responsáveis pelo projecto, Catarina Moreira e David Picard contam-nos que precisavam de documentos de há três gerações e viram-se “gregos” para consegui-los.

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Catarina utiliza um rodo de madeira para rebaixar o mosto Diogo Ventura

Antes de decidirem meter as mãos nas uvas, nem Catarina nem David trabalhavam na área da vinicultura quando se conheceram. Catarina era bióloga e estudava o comportamento das rãs; é até doutorada na sua comunicação. Já David, antes de passar ao estudo do enoturismo na Suíça, uma formação que lhe mudou a vida, era antropólogo e estudava o “pensamento mágico” no oceano Índico Ocidental (trocado por miúdos é a ligação da política ambiental com as tradições locais, mais precisamente em Madagáscar). Mas todas estas formações, embora eclécticas, desaguam, de certo modo na Adega Belém Urban Winery, de seu nome completo com um toque mais turístico.

Por exemplo, é via formação de Catarina que chega o símbolo da adega, a rã. “Surgiu de forma inconsciente”, diz-nos, mas é também uma maneira de ficar na memória das pessoas, uma vez que não parece ter nada a ver com vinho. Foram também as diversas viagens que fizeram que levaram o casal a pensar que poderia criar uma adega urbana numa área nobre da cidade, coisa rara por terras lusitanas, cujas adegas, por norma, se situam nas periferias, com bastante espaço circundante.

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Branco da Casa da Adega Belém Diogo Ventura

Uma produção familiar com castas portuguesas

Com a ajuda de amigos e familiares, o casal, agora de enólogos, montou a adega que se tornaria na sua segunda casa (ou primeira, visto que, como nos contam, passam aqui grande parte do dia, rodeados da família). O espaço é pequeno à primeira vista, mas estende-se até ao fundo, onde se podem encontrar barricas de madeira, daquelas que nos fazem viajar nos séculos, e, subindo umas escadas estreitas, chega-se a um terraço que, no futuro, receberá visitas e provas de vinho.

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Barricas de madeira da Adega Belém Diogo Ventura

As filhas de Catarina e David, com oito e cinco anos, estão a par de tudo o que se faz na adega, participam na vindima e no engarrafamento. Inclusive, o rótulo de algumas garrafas (chancela Unicórnio) foi desenhado pela mais velha — percebe-se até que a fase dos unicórnios está bastante presente, visto que vários dos quadros pendurados na sala de provas têm incluídos este animal mitológico. Também está prometido à mais nova que terá um desenho seu num próximo rótulo. Lila, a cadela, não estava no dia que o PÚBLICO visitou o espaço, mas Catarina assegura que também é parte da família e da equipa e dá o seu toque especial ao ambiente da adega.

Mas há mais colaboração familiar: os pais da bióloga fazem as vindimas e ajudam nas tarefas da casa. Do lado de David é mais complicado, uma vez que a família é alemã e não está em Portugal. Ainda assim, a irmã encarrega-se de colaborar na propaganda da marca, passando a palavra sobre o vinho que o irmão produz. Aliás, com bons efeitos: Catarina refere que a maior parte das encomendas que já receberam vieram precisamente da Alemanha.

Já quanto à origem das uvas, chegam todas das regiões vinícolas de Lisboa e Setúbal – além da capital, via Instituto Superior de Agronomia (ISA), com vinhas na Tapada da Ajuda, com quem têm uma parceria; também de Alenquer, além de Palmela e Setúbal. E Catarina faz questão de sublinhar que “é um vinho de Lisboa, feito em Lisboa”, diz-nos, animada. É também com o mesmo entusiasmo que David exemplifica o rebaixamento da uva com um rodo de madeira — por esta altura, no pequeno tanque, dá-se a fermentação da fruta, que a tornará em vinho.

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O antigo antropólogo explica que os depósitos em inox foram desenhados por eles, enquanto a instalação do sistema de refrigeração foi feita por ambos, assim como da ETAR que passa por baixo dos pés de quem visita a adega. Era um dos requisitos legais para abrirem o espaço, mas quiseram ir mais longe. A água que sai da adega vai praticamente limpa, uma vez que adicionaram cestas que recolhem as partes sólidas da produção do vinho (peles das uvas, cachos).

Apesar de terem preocupações ambientais, não querem ser exaustivos. Tentam minimizar o impacto da sua produção, mas não fazem vinho “natural” ou “biológico”. Entre as castas usadas contam-se Arinto, Moscatel Graúdo, Touriga Nacional, Antão Vaz, Alicante Bouschet, Castelão, Aragonez, Tinta Barroca. Uma pergunta que lhes é feita com frequência, admitem, é “se utilizam sulfitos” e a resposta é “sim”. “Fazemos ao vinho aquilo que achamos que é necessário”, afirma Catarina, acrescentando que, tendencialmente, querem “chegar às uvas bio”.

Os seus vinhos, que também podem ser adquiridos na loja online, anunciam-se como “de baixa intervenção, monovarietais mais frutados” ou em “lotes cuidadosamente elaborados que podem ser conservados por vários anos”. As garrafas já disponíveis para venda — Unicórnio, Rabo da Rainha e o Vinho da Casa — foram produzidas em adegas de Alenquer e Palmela, uma vez que o espaço do casal de enólogos ainda não estava pronto. Contudo, das vindimas deste ano, a decorrerem por estes dias, resultará o primeiro lote produzido inteiramente na Adega Belém, basta aguardar até 2021.

Sextas de enocultura

A Adega Belém não é só um espaço aberto a quem o queira visitar. Às sextas decorrem pequenos eventos, que têm como objectivo não só dar a conhecer o projecto e os vinhos, como ensinar, de forma descontraída, a quem tenha curiosidade sobre o mundo da enologia que segredos se escondem por trás (ou por dentro) de uma garrafa que contém o que começou como sumo de uva.

Durante duas horas vão sendo feitas diversas perguntas, em estilo quiz, aos visitantes. “Não são fáceis! O objectivo também é fazer rir”, diz Catarina, dando como exemplo a pergunta “Quantos litros de vinho foram produzidos em Portugal, em 2018? Tolerância de 50 milhões de litros”. As questões são adaptadas aos participantes caso saibam de onde vêm. Já tiveram norte-americanos e dinamarqueses, que não conseguem acertar nas respostas às perguntas relacionadas com vinho sobre o seu país.

Têm ainda pensado um workshop anual em colaboração com o ISA, no qual as pessoas podem ficar a conhecer todo o processo de produção do vinho, desde a vinha à garrafa. Os detalhes ainda estão a ser pensados, mas apontam para o seu início em Fevereiro ou Março de 2021. Outra das ideias é um wine slam — uma espécie de confronto amigável entre pessoas ligadas à enologia — e ainda cursos de provas de vinho, para ensinar às pessoas a provar, de modo a que saibam o que estão a beber. Este último começará ainda em Setembro ou no início de Outubro.

Uma boa forma de ir conhecer a casa decorre já na próxima sexta-feira: é um convite para passar uma Sexta na Adega, marcada para 18 de Setembro. Além do quiz e a exploração dos segredos da vinificação, há provas e petiscos das 18h30 à 20h30. A participação é limitada a 25 pessoas, seguindo as regras de segurança da covid-19 e o custo de participação é 15 euros, sendo a reserva obrigatória. 

Texto editado por Luís J. Santos

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