Uma nova administração regional para executar o PRE e o QFP
O despovoamento e a desertificação do interior, ao acontecerem num país tão pequeno, são a prova provada de que o nosso modelo de desenvolvimento territorial está errado há muito tempo.
Já são conhecidos os valores globais do Programa de Recuperação Económica (PRE) e do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) aprovados recentemente em Conselho Europeu. Portugal poderá receber cerca de 45 biliões de euros de subvenções (15,3+29,8) e cerca de 11 biliões de euros em empréstimos. Na mesma altura, foi apresentada publicamente “A visão estratégica para o programa de recuperação económica de Portugal 2020-2030”, elaborado pelo Professor António Costa e Silva a pedido do Governo português. Temos, portanto, o dinheiro, a visão estratégica e, também, um programa nacional de investimentos (PNI 2030) avaliado em 22 mil milhões de euros. Falta, “apenas”, definir o sistema operativo regional, a nova administração regional para operacionalizar todo o programa no plano territorial. Apresento uma proposta nesse sentido que aqui denominarei de “regionalização funcionalista”.
A regionalização funcionalista como princípio de administração territorial
Conhecendo nós as baixas taxas de execução dos programas operacionais regionais, em particular no Alentejo e Algarve, do atual programa Portugal 2020, este volume imenso de recursos financeiros levanta o problema “bicudo” da boa execução dos fundos, se quisermos, da racionalidade 4E – eficácia, eficiência, equidade, efetividade – da administração regional do território.
O despovoamento e a desertificação do interior, ao acontecerem num país tão pequeno, são a prova provada de que o nosso modelo de desenvolvimento territorial está errado há muito tempo. De um ponto de vista mais analítico, fica provado que uma boa cobertura municipal, uma boa cobertura associativa e uma rede de ensino superior bem distribuída não foram suficientes para inverter este estado de coisas, para além do volume de recursos financeiros canalizado pelos fundos europeus para todo o país. As causas são muito variadas, mas, para resumir, devem-se a um excesso de centralismo e a um excesso de localismo que geraram, continuadamente, efeitos de aglomeração no centro e efeitos de dispersão na periferia.
Agora que, pelas piores razões, se volta a falar de desertificação, de ordenamento do território, de política florestal, de desenvolvimento rural, de valorização do interior, o mínimo que podemos fazer é aprofundar as funcionalidades do” regime de coordenação e desenvolvimento” das atuais CCDR e estruturar um modelo de administração territorial que seja capaz de corrigir a dicotomia e a dualidade litoral-interior.
O modelo de administração regional ao nível NUTS II
O objetivo central seria eleger o nível NUTS II como o lugar central de uma nova racionalidade e governabilidade territoriais, em particular, para desenhar uma estratégia de governação e articulação multiníveis: de um lado, os municípios, os grupos de ação local (GAL) e as comunidades intermunicipais (CIM), do outro, os planos de ação regional, o programa nacional de reformas e os programas europeus de coesão. A este nível as minhas propostas são as seguintes:
- Deslocar os serviços das CCDR para as “novas capitais regionais” que passariam a ser: Vila Real (norte), Viseu (centro), Santarém (LVT), Évora (Alentejo), Faro (Algarve),
- Eleição do presidente da CCDR em colégio eleitoral regional formado por todos os eleitos locais (já aprovado),
- Formação de um Conselho Executivo Regional presidido pelo presidente da CCDR e reuniões mensais deste órgão,
- Uma nova arquitetura dos serviços regionais com base numa “plataforma analítica territorial” gerada a partir de um Pólo de Inovação Digital criado na CCDR (os polos estão previstos no plano europeu de transição digital),
- Formação de um Conselho de Concertação Regional,
- Criação em cada NUTS II de uma “escola de artes e tecnologias” com a missão de apoiar a transformação digital da sociedade e promover a literacia digital dos cidadãos.
O modelo de administração sub-regional ao nível das CIM
Ao nível das Comunidades Intermunicipais (CIM), o modelo de administração funcionaria do seguinte modo:
- A nomeação de uma estrutura de missão ou administração dedicada em cada CIM,
- A criação de uma “rede analítica CIM” com ligação ao Pólo de Inovação Digital da CCDR,
- A assinatura de um Contrato de Desenvolvimento Territorial com cada CIM; um protocolo estabelece as atribuições próprias e delegadas das CIM,
- Definição de um nível de “subvenções CIM” cujos critérios de afetação serão estabelecidos pelo Conselho de Concertação Regional sob proposta da CIM, no quadro do respetivo programa operacional regional.
O modelo de administração e o Contrato de Desenvolvimento Territorial
O país constituiu muito recentemente 23 comunidades intermunicipais (CIM), a maioria delas coincidente com as NUTS III (sub-regiões das NUTS II). Trata-se de um nível de programação, planeamento e implementação de políticas muito relevante para reconsiderar todo o sistema de desenvolvimento do interior, nos planos rural, florestal, ambiental, áreas empresariais e zonas industriais e ordenamento do território. Como referi, as CIM seriam estruturas de missão e unidades operativas a quem os municípios e o conselho executivo regional delegariam uma série de competências por via de um contrato de desenvolvimento territorial.
Sabemos que o país tem praticamente em cada capital de distrito um instituto politécnico ou uma universidade cujas áreas de influência e ação integram as CIM, as NUTS III e os territórios dos Grupos de Ação Local (GAL) do Programa de Desenvolvimento Rural; estas diversas instituições precisam urgentemente de refrescar e renovar a sua missão e de ganhar um suplemento de legitimação num tempo histórico de grande exigência para o país.
No mesmo âmbito territorial, o país tem associações empresariais, parques industriais e grupos empresariais que precisam urgentemente de fazer a sua prova de vida, de se recapitalizarem e demonstrarem que não são meros simulacros empresariais, mas verdadeiros projetos empresariais. Ora, a triangulação entre estas três entidades – as comunidades intermunicipais, os institutos politécnicos e universidades e as associações empresariais – pode e deve estar na origem de um contrato de desenvolvimento para as CIM com o objetivo de comprometer as três entidades num projeto de desenvolvimento territorial para o período 2021-2027.
No âmbito desta filosofia de contratos de desenvolvimento para os territórios CIM e atendendo ao universo de microempresas que constituem o nosso tecido empresarial, o Governo central seria instado a apresentar um dispositivo legal e financeiro de estímulos ao investimento empresarial, se quisermos, uma via verde para a cooperação, o agrupamento, a fusão e a extensão empresariais vocacionadas para o desenvolvimento empresarial do interior do país, aquilo que eu aqui designo por “subvenções CIM”.
No mesmo contrato de desenvolvimento, ficariam os três promotores habilitados à apresentação de uma “proposta de reforma da administração pública intermunicipal” que considere não apenas uma nova “carta dos bens comuns intermunicipais”, mas, também, a possibilidade de formação de uma “autarquia de 2.º grau” para levar a bom termo os projetos de desenvolvimento integrado.
Nota Final
Estou convencido de que a única forma de salvar a operacionalidade de uma CIM é consagrar “programas integrados de desenvolvimento” com uma estrutura de missão dedicada, atribuições bastantes e funções precisas delegadas pelas CCDR e pelos municípios e com contrato assinado em ato público para ser politicamente significativo e historicamente relevante. Neste momento, justamente, importa relembrar a nossa “circularidade histórica” e fazer um aviso solene. Nós cometemos, há seis ou sete décadas, um erro de lesa-pátria que foi não promover capitais de distrito com 150/200 mil habitantes, nem sequer cinco capitais regionais NUTS II com essa dimensão, e agora temos cidades pequenas sem capacidade para gerar áreas de influência e economias de aglomeração. Isto significa que a maioria dos sistemas de incentivos de cariz territorial que nós inventamos tem mais efeito dispersivo do que efeito aglomerativo e, muitas vezes, um alto custo de oportunidade. Cuidado, pois, e mais uma vez, com a nossa circularidade histórica, connosco a história repete-se.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico