Paulo Mendes da Rocha doou o seu acervo à Casa da Arquitectura

Instituição com sede em Matosinhos vai realizar uma exposição monográfica do arquiteto Pritzker brasileiro em meados de 2022, com base nas mais de oito mil peças agora recebidas.

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Paulo Mendes da Rocha Daniel Rocha

O arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, autor do novo Museu dos Coches, em Lisboa, doou a totalidade do seu acervo profissional à Casa da Arquitectura. A decisão já tinha sido contratualizada em Dezembro de 2019, mas só agora foi concretizada com a chegada, esta quinta-feira, do conjunto de cerca de 8800 itens à instituição de Matosinhos, depois de feita a inventariação e a organização do valioso acervo arquitectónico do Prémio Pritzer 2006.

Segundo a informação prestada pela Casa da Arquitectura ao PÚBLICO, os arquivos de Paulo Mendes da Rocha, relativos a mais de 320 projectos, englobam cerca de 6300 desenhos analógicos, 1300 desenhos físicos, três mil fotografias e slides, três centenas de publicações e ainda um conjunto de maquetas feitas pelo atelier do próprio arquitecto radicado em São Paulo.

A partir deste material, a Casa da Arquitectura vai dedicar-lhe uma grande exposição monográfica em meados de 2020, que terá como comissária principal a arquitecta e urbanista também brasileira Catherine Otondo, que participou já na inventariação do acervo.

O director da Casa da Arquitectura, Nuno Sampaio, vê no gesto de Paulo Mendes da Rocha – de quem é amigo pessoal e com quem trabalhou no projecto do Museu dos Coches – “uma manifestação de confiança” no trabalho da instituição de Matosinhos.

“Os arquivos do Paulo poderiam ser recebidos, e eram certamente pretendidos, em qualquer instituição de arquitectura do mundo, porque se trata de alguém reconhecido internacionalmente, tanto pela sua obra como pelo seu pensamento. Que ele tenha decidido doá-los à Casa da Arquitectura é para nós motivo de grande regozijo”, diz o director, realçando ainda o significado que esta doação adquire para “uma instituição relativamente jovem”. “Deixa-nos muito contentes”, acrescenta.

Também a ministra da Cultura manifestou já o seu “orgulho” por ver a Casa da Arquitectura acolher o arquivo integral da obra do arquitecto do Museu dos Coches. “É com confiança nesta instituição e no trabalho por ela desenvolvido no tratamento, conservação e divulgação pública dos diferentes acervos que tem vindo a acolher que dou as boas-vindas a este tão importante acervo para a história e conhecimento da arquitectura contemporânea a nível mundial”, acrescenta Graça Fonseca numa nota disponibilizada pela Casa da Arquitectura.

Sem nenhuma contrapartida de ordem monetária, a instituição fica agora obrigada – explica em comunicado – a conservar, tratar, divulgar e promover o estudo do acervo de Paulo Mendes da Rocha, nomeadamente com a criação de bolsas de investigação em parceria com escolas, universidades e instituições de todo o mundo. Nuno Sampaio acrescenta que, “a partir da plataforma online do Centro de Estudos e Documentação da Casa da Arquitectura criado em Dezembro do ano passado, será aberta a consulta universal e gratuita do seu acervo”. A instituição compromete-se ainda a promover “o debate disciplinar e interdisciplinar para a divulgação da arquitectura para além do limite da própria disciplina, dando-a a conhecer a toda a sociedade, algo que Paulo Mendes da Rocha sempre defendeu”.

Uma ligação antiga

A doação a Portugal do acervo do autor do Museu Brasileiro da Escultura (São Paulo) agora tornada pública – e que sucede a também marcantes doações de arquitectos portugueses, como Gonçalo Byrne e Eduardo Souto de Moura – não surpreende quem tenha acompanhado o processo de criação da própria Casa da Arquitectura. A 25 de Junho de 2009, dia de aniversário de Álvaro Siza, a inauguração do Centro de Documentação com o nome do arquitecto matosinhense – uma espécie de “acto fundador” da instituição, para a qual o próprio Siza tinha realizado um projecto que viria a ficar pelo caminho e a ser substituído pela readaptação da Real Companhia Vinícola – contou já com a presença de Paulo Mendes da Rocha, que subscreveu, ao lado de dezena e meia de colegas portugueses, um protocolo visando a doação de acervos à futura instituição.

Em 2015, o arquitecto brasileiro doou à Casa da Arquitectura os materiais do seu trabalho para o Museu dos Coches, o mesmo tendo feito em 2018 com a entrega de um conjunto de sete projectos para a Colecção de Arquitectura Brasileira na sequência da exposição Infinito Vão, que a instituição dedicou a 90 anos de história da arquitectura do seu país e que foi acompanhada, na pequena galeria, pela mostra Duas Casas, abordando uma vertente menos conhecida da obra de Mendes da Rocha, as habitações familiares: uma localizada em Lisboa, a Casa Quelhas, e outra em São Paulo, a Casa Gerassi.

“No final de 2019, o Paulo teve a oportunidade de visitar a Casa da Arquitectura e as duas exposições, e de ver de perto o trabalho que estávamos a fazer na conservação, mas também na divulgação da arquitectura no seu todo, com um enfoque especial na arquitectura portuguesa e brasileira”, lembra Nuno Sampaio, convencido de que, além da relação e da amizade pessoal – “porque quem faz as instituições são as pessoas que lá estão” – “ele acreditou e confiou” no trabalho da instituição que dirige.

Nascido na cidade de Vitória, no sudeste do Brasil, a 25 de Outubro de 1928, Paulo Mendes da Rocha formou-se em Arquitectura e Urbanismo em São Paulo, em cuja universidade se tornou depois professor. Desenvolveu uma obra intensa, que marcou esteticamente a Escola Paulista, na senda de Vilanova Artigas e do movimento brutalista. Além do Pritzker, a sua longa carreira foi já também distinguida com o Prémio Mies van der Rohe (2001) e o Leão de Ouro na Bienal de Veneza (2016), cujo júri o classificou como “um desafiador inconformado e, ao mesmo tempo, um realista apaixonado”.

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