Crise política? Até Março o Parlamento não pode ser dissolvido

Nesta quarta-feira, o Presidente da República perde o poder de dissolução da Assembleia da República por entrar nos últimos seis meses do mandato.

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Marcelo perde amanhã poder de dissolver o Parlamento LUSA/JOSÉ COELHO

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, entra na quarta-feira no último semestre do seu mandato de cinco anos e, nos termos da Constituição, perde o poder de dissolução da Assembleia da República. O Artigo 172.º da Constituição determina que “a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição”, que se realizou no dia 6 de Outubro de 2019, nem “no último semestre do mandato do Presidente da República”, entre 9 de Setembro e 9 de Março de 2021.

Assim, uma crise política não poderia conduzir a eleições nos próximos meses, como lembrou Marcelo Rebelo de Sousa há duas semanas, a propósito das negociações do Orçamento do Estado, quando qualificou como “ficção” a possibilidade de nos próximos tempos haver “uma crise política ou a ameaça de crise política” e pediu diálogo aos partidos.

“O Presidente da República não vai alinhar em crises políticas, portanto, desenganem-se os que pensam que, se não houver um esforço de entendimento, vai haver dissolução do Parlamento no curto espaço de tempo que o Presidente tem para isso, que é até ao dia 8 de Setembro”, avisou.

Nestas declarações aos jornalistas, na Feira do Livro de Lisboa, no dia 27 de Agosto, o chefe de Estado acrescentou: “Em cima da crise da saúde e da crise económica, uma crise política era a aventura total. A alternativa seria uma crise a prazo, isto é, o Presidente empossado no dia 9 de Março, seja ele quem for, estar a dissolver para eleições em Junho.” E concluiu: “Isto não existe, isto é ficção.”

“O melhor é fazer-se o caminho que é razoável, que é fazer-se as concessões, negociar o que é preciso para viabilizar um Orçamento, que não é o ideal e o óptimo para ninguém, mas que seja o possível para o maior número”, aconselhou.

Dois dias depois, a publicação da segunda parte da entrevista do primeiro-ministro ao Expresso fez luz sobre o tema. Sem acordo “não há Orçamento e há crise política”, afirmava António Costa, dizendo que o acordo deveria ser com a esquerda e o PAN e não com o PSD.

Eleito Presidente da República em 24 de Janeiro de 2016, à primeira volta, com 52% dos votos, Marcelo Rebelo de Sousa remeteu “lá para Novembro” deste ano o anúncio da sua decisão quanto a uma possível recandidatura nas presidenciais de 2021, que manteve em aberto ao longo do seu mandato. “Obviamente, uma coisa é certa: qualquer decisão que, enquanto cidadão, venha a tomar será sempre posterior à convocação das eleições”, adiantou, em Fevereiro.

Há cinco anos, após apresentar a sua candidatura presidencial, o antigo presidente do PSD enunciou a sua leitura dos poderes constitucionais do chefe de Estado em matéria de dissolução do Parlamento e de formação de governos num discurso na Voz do Operário, em Lisboa, em 24 de Outubro de 2015. Nessa intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa prometeu que, se fosse eleito, tudo faria para “não onerar” o seu sucessor com “problemas evitáveis relativamente aos poderes do Estado” e considerou negativo para Portugal viver “seis, sete, oito meses sem Orçamento do Estado”.

Na altura, Marcelo Rebelo de Sousa sustentou que “não há dissoluções do Parlamento anunciadas — isto é, a apreciação a ser feita deve decorrer no momento em que se coloque a necessidade ou não desse exercício, e não meses ou anos antes”. “O Presidente da República deve fazer tudo o que está ao seu alcance para obter governos viáveis e duradouros, envolvendo os orçamentos do Estado”, defendeu, nesse mesmo discurso.

Assumindo-se como um moderado e um defensor da estabilidade, nos seus primeiros três anos e meio de mandato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa conviveu com um Governo minoritário do PS chefiado por António Costa, suportado por acordos inéditos à esquerda no Parlamento, e viu a legislatura chegar ao fim.

Nesta nova legislatura, o PS conseguiu votação reforçada nas legislativas de 6 de Outubro de 2019, mas novamente sem maioria absoluta, e desta vez formou um executivo não suportado por quaisquer acordos escritos, uma condição que o próprio Presidente da República considerou desnecessária.

Ao fim de um ano na chefia do Estado, em entrevista ao Diário de Notícias, o Presidente manifestou a vontade de nunca usar a chamada “bomba atómica”, distinguindo-se assim dos seus antecessores eleitos em democracia, mas enunciou as condições em que admitia um cenário de dissolução do Parlamento e convocação de eleições legislativas antecipadas

“O primeiro requisito é que haja uma crise institucional particularmente grave. O segundo é que não seja possível encontrar um Governo no quadro da mesma composição parlamentar. E o terceiro é que seja plausível, com os dados disponíveis naquele momento, que o resultado da eleição conduza ao desbloqueamento da situação que gerou a dissolução”, disse.

Em Março de 2019, aditou outro factor que o poderia ter levado a exercer o poder de dissolução: a repetição de incêndios como os de 2017, que provocaram mais de cem mortes em Portugal.

“Se no ano seguinte houvesse uma situação idêntica, haveria dissolução do Parlamento”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, em entrevista à TVI.

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