“O intelectual livre que não aguentou o cinismo da arena parlamentar”

Eleito deputado pelo PS, Vicente Jorge Silva não cumpriu o seu mandato até ao fim. Tinha uma grande ligação às pessoas da cultura e nunca deixou de dizer com frontalidade aquilo que pensava.

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Destacado na bancada do PS CL - Carlos Lopes Pœblico
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Sentado no lugar de deputado PBC PEDRO CUNHA - PòBLICO
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Vicente Jorge Silva intervém na AR CL - Carlos Lopes Pœblico

A passagem de Vicente Jorge Silva pela política mostrou-lhe que não tinha vocação para a vida político-partidária. Quem com ele se cruzou nos corredores da Assembleia da República não tem grande memória do seu trabalho enquanto parlamentar, mas o seu papel inovador enquanto jornalista nunca passou despercebido.

Vicente Jorge Silva entra na política pela mão do PS. Em 2002, na sequência das legislativas, é eleito deputado por Lisboa, mas sai antes de o mandato terminar.

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A passagem pelo Parlamento “foi uma experiência” para ele, conta António Mega Ferreira, lembrando essas eleições em que ambos foram candidatos nas listas do PS. “[Ele] tinha necessidade de experimentar as outras coisas, dizia: ‘Eu toda a vida estive do lado de lá, tenho de estar do lado de cá para perceber’”, realça. O antigo jornalista e gestor cultural recorda que consigo aconteceu oposto: pôs como condição para aceitar o convite do PS ocupar o último lugar da lista.

Depois, veio o desencanto. “Com o Vicente aconteceu o que acontece habitualmente com os intelectuais: entram e ao fim de pouco tempo já não aguentam aquilo, aquilo não tem nada que ver com o mundo livre das ideias sem filtros, ali é tudo filtro à cabeça”, afirma.

Acho que o Vicente ficou bastante decepcionado com a passagem pelo Parlamento. Era um idealista e o que fazia não correspondia nada ao que o Vicente esperaria de um Parlamento”, interpreta a antiga deputada Helena Roseta, explicando que a “lentidão do trabalho parlamentar e o cinismo que existe nas arenas parlamentares chocam quem vem do jornalismo e que tem um ritmo vertiginoso. O Vicente não era cínico”, declara.

Helena Roseta aponta-lhe a “coragem, a sua frontalidade e independência feroz” e não tem dúvida de que o “mais importante legado de Vicente Jorge Silva é o seu trabalho como jornalista”.

João Soares não se recorda de nenhum “momento mediático” no Parlamento protagonizado por Vicente Jorge Silva. “Não foi um deputado marcante, mas era um homem muito culto, inteligente, com sentido de humor, apesar de não parecer, e era tolerante”, diz o ex-deputado do PS, partilhando que o fundador do PÚBLICO não faltava às reuniões do grupo parlamentar e que, por norma, usavam da palavra um depois do outro.

Isabel Pires de Lima cruza-se com Vicente na IX Legislatura e recorda-se de trocar impressões muitas vezes com ele. “Vicente era um homem de uma grande curiosidade intelectual e que se interessava muito pelas questões da cultura. Colocava o humor e a ironia em todas as situações e ria-se dele próprio, o que revela uma inteligência diferenciada e em certo ponto superior”, declara a antiga deputada e ex-ministra da Cultura.

A opinião de António Arons de Carvalho não é diferente. Antigo vice-presidente do grupo parlamentar do PS, Arons de Carvalho aponta o “espírito demasiado livre” de Vicente Jorge Silva para aceitar a disciplina de voto imposta pelo partido. “Não creio que tenha havido objecções de fundo sobre as opções do grupo parlamentar relativamente a questões na área da comunicação social ou outras”, avalia o antigo deputado, que tutelou a pasta da comunicação social nos dois governos de António Guterres.

Vicente Jorge Silva era demasiado irreverente para aceitar as regras parlamentares e cansou-se rapidamente. Era uma pessoa que não hesitava em dizer o que pensava, era muito frontal, muito sincero.”

A sua curta incursão pela política mostrou-lhe que o jornalismo era, de facto, o melhor sítio para fazer intervenção cívica. “O mais importante legado de Vicente Jorge Silva é o seu trabalho como jornalista. Há uma coisa que é preciso dizer: o Vicente fazia a análise certa no momento certo e isso é imprescindível sempre, e não é fácil de encontrar substituto”, declara Helena Roseta, emocionada.

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