Perda total no Vallis revela gestão do BES nos fundos de reestruturação

Numa amostra de seis empresas do sector da construção, a Deloitte encontrou perdas de mais de 260 milhões de euros para o BES/Novo Banco. A desadequada avaliação de risco e a falta de monitorização do valores dos activos ajuda a explicar a perda total que o BES acabou por declarar nos investimentos feitos no Fundo Vallis, destinado à reestruturação financeira de empresas deste sector

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MR MANUEL ROBERTO

O BES não fez uma adequada avaliação de risco dos investimentos que efectuou em fundos de reestruturação, e não efectuava uma monitorização adequada para verificar a valorização ou depreciação dos activos. Nem tratou de garantir os necessários pareceres de auditores externos que poderiam validar o tratamento contabilístico que foi adoptado pela instituição gerida por Ricardo Salgado, ou sobre a razoabilidade dos pressupostos assumidos e metodologia com que determinou o justo valor dos activos transferidos.

Foi por não ter garantido estas preocupações fundamentais, explica a Deloitte, na auditoria que fez aos actos de gestão no BES/Novo Banco entre 2000 e 201, que o resultado que teve no Fundo Vallis, criado para garantir a reestruturação financeira de várias empresas do sector da construção, acabou por ser negativo. A perda total foi declarada em 2018 e ascendeu aos 103,5 milhões de euros.

A exposição do BES/Novo Banco ao sector da construção é amplamente evidenciado no relatório da Deloitte que usa uma amostra de seis empresas do sector da construção para análise. E sem nunca citar o nome das empresas envolvidas - refere apenas que se tratam de empresas associadas “a grupos económicos que historicamente apresentaram elevado endividamento, tendo envolvido a concessão de crédito de montantes relevantes a holdings desses grupos” - a Deloitte quantifica perdas de 271,7 milhões de euros só no período entre 4 de Agosto de 2014 e 31 de Dezembro de 2018.  

As dificuldades que as empresas atravessavam tornaram-se visíveis a partir de 2012, altura em que o BES tomou decisões em diversos processos de reestruturação envolveram new money e a prestação de garantias bancárias para realização de obras.

Estas reestruturações permitiram, diz a Deloitte, a continuidade dessas empresas, “criando condições para que continuassem a operar e a executar obras, em alguns casos explorando novos mercados”. Mas, veio a comprovar-se, assentavam em projecções, estratégias e planos de negócios que não se vieram a concretizar. “Num conjunto de devedores analisados, a estratégia das empresas não foi bem sucedida e acabaram por entrar em insolvência, obrigando, em alguns casos, o Novo Banco a honrar garantias bancárias de boa execução que tinham sido prestadas para obras em curso e originando perdas associadas a exposição patrimonial”.

História de um fundo

No âmbito do processo de restruturação de empresas portuguesas com dificuldades financeiras, foi fomentada a partir de 2012 a criação de sociedades e de fundos especializados que, “através de operações de concentração, agregação, fusão e gestão integradas”, permitissem a obtenção das sinergias necessárias à recuperação das empresas.

É neste contexto que BES, em conjunto com mais três instituições bancárias portuguesas (Caixa Geral de Depósitos, BCP e Banif) entram no Fundo Vallis, constituído em Novembro de 2012, com sede no Luxemburgo e um total de investimento de 122,2 milhões de euros.  

Este fundo era financiado através da emissão de acções ou unidades de participação subscritas pelos bancos, mas tinha uma estrutura de gestão própria (o presidente da Sociedade Gestora foi Pedro Gonçalves, ex presidente da Soares da Costa) que iria receber os activos em colateral e, após a cedência dos créditos, fazer a valorização dos mesmos.

A primeira aquisição do fundo Vallis foi a Edifer, seguindo-se-lhe a Hagen, a Monte Adriano, a Eusébios; depois foi anunciada a Britalar e a Ramos Catarino também chegou a integrar o Fundo.

De acordo com a Deloitte, até ao final de 2016 o Fundo Vallis desvalorizou mais 86,2% face a 30 de Setembro de 2016. O BES detinha uma participação de 21,8%, pelo que a perda registada nas contas do Novo Banco, já em 2017, foi de 27,1 milhões de euros.

Mas, diz a Deloitte, “face ao agravamento das dificuldades financeiras das participadas do fundo, em 2017 a sociedade gestora concluiu o processo de venda das participadas e em 2018 o Fundo Vallis foi liquidado”. E todo o capital subscrito pelo Novo Banco no Fundo Vallis foi declarado como perda total.

A liquidação do Vallis surge depois de a sociedade gestora ter criado o grupo Elevo, a empresa que resultou da fusão dos grupos Edifer, Monte Adriano, Hagen e Eusébios – a Ramos Catarino acabou revendida à família fundadora, e nunca chegou a entrar na Elevo.

Em Setembro de 2017, o CEO da Elevo, Pedro Gonçalves, ex-presidente da Soares da Costa, anuncia a venda da empresa ao grupo Nacala, de Gilberto Rodrigues e Pedro Antelo, por 90 milhões de euros e diz que a missão do Fundo Vallis relativa ao sector da construção está concluída. E o fundo é extinto. Já a Elevo, que facturava 500 milhões de euros quando foi adquirida pelo grupo Nacala, continua com dificuldade em cumprir o plano de expansão que Gilberto Rodrigues anunciou na altura, de crescer 20% ao ano. O Sindicato da Construção chegou mesmo a denunciar problemas de salários em atraso.

Para além do Fundo Vallis, o BES/Novo Banco participou em mais seis fundos de reestruturação de empresas, cujos resultados foram analisados pelo relatório de auditoria da Deloitte. A consultora apurou um total de perdas de 178 milhões de euros nestes fundos de reestruturação. 

A análise da Deloitte incidiu sobre os actos de gestão praticados entre 2000 e 2018, no BES e no Novo Banco. A auditora analisou 283 operações, das quais 201 foram operações de crédito, 26 foram operações relativas a subsidiárias e associadas e outras 56 relacionadas com outros activos. Todas estas operações acabaram por gerar perdas de 4042 milhões de euros.

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