A senhora que se segue

Mesmo garantindo que não tenciona “designar sucessor nem intervir nessa escolha”, o primeiro-ministro acabou por colocar uma terceira pessoa em pista: Ana Catarina Mendes.

A sucessão de alguém num cargo é um tema que está sempre latente e essa é provavelmente uma história tão antiga como a do ser humano. Em monarquia, várias sucessões geraram crises familiares e políticas complicadas. Nas empresas, a escolha do sucessor é um risco que obriga a muitos cálculos. E nos partidos, apesar de ser um tema quente quando as coisas correm mal, a escolha do senhor que se segue pode começar a desenhar-se muito antes de o antecessor dar sinais de cansaço ou de insucesso. E quem diz “senhor que se segue”, diz “senhora que se segue”, como o primeiro-ministro já sublinhou.

Recentemente, durante o período de Verão, António Costa deu uma entrevista à revista Visão na qual foi novamente abordada a questão de haver muitos candidatos ao cargo de secretário-geral quando ele ficar livre, seja isso quando for. Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, e Pedro Nuno Santos, ministro das Infra-estruturas, são os óbvios, não o escondem e, no último congresso do PS, António Costa também mostrou que sabe bem o que ambos querem: “Ainda não meti os papéis para a reforma”, disse, deixando bem claro que é cedo para olhar para ele como uma carta fora do baralho. 

Desta vez, nas respostas à Visão, foi um pouco mais longe sem adiantar demasiado caminho. A resposta dá bem para perceber que o futuro pode não passar só pelos dois já pouco jovens turcos socialistas. “Quem sou eu para impedir quem quer que seja de alimentar esse desejo ou de limitar esse desejo? Isso é saudável num partido como o PS. Eu convivo muito bem com eventuais ambições ou com alguém que queira concorrer comigo à liderança. Não é nada que me tire o sono ou que me angustie. O PS tem, felizmente, muitas soluções nas novas gerações”, disse. E, depois, deixou uma pergunta: "Quem lhe diz que não pode ser uma mulher?”

Ao levantar a questão nestes termos, mesmo garantindo que não tenciona “designar sucessor nem intervir nessa escolha”, o primeiro-ministro acabou por colocar uma terceira pessoa em pista: Ana Catarina Mendes. E a verdade é que o caminho para a sua ascensão tem vindo a ser preparado com muito maior discrição e também com grande segurança.

Ainda há cinco anos, Ana Catarina Mendes passava de apenas deputada para deputada e secretária-geral adjunta do PS, cargo em que preparou e venceu as autárquicas de 2017. Em Outubro de 2019, passou a líder parlamentar, sucedendo a Carlos César, que se manteve apenas como presidente do PS. Menos de um ano depois, ocupou o lugar de Jorge Coelho na Circulatura do Quadrado, um programa de televisão em que o próprio António Costa participou antes de ser líder do PS e chegar ao Governo (nunca é de mais recordar que hoje temos um chefe de Governo e um de Estado que têm horas e horas de experiência em programas de comentário televisivo).

Até aqui, estes três passinhos podiam parecer pequenos e sem importância nenhuma, mas depois de António Costa deixar no ar a dúvida sobre se não pode ser uma mulher a entrar na linha de sucessão do PS, é impossível ignorá-los. Se Ana Catarina Mendes não está a preparar caminho para o futuro, alguém está a fazê-lo por ela. E daqui a uns anos, quem sabe o mundo político não está mais virado para ter uma mulher a liderar aquele partido do que para ter mais um homem a desempenhar a tarefa. Em qualquer dos casos, boa sorte aos três candidatos a candidato. Creio que já não serão apenas dois.

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