Trump e Putin são uma espécie de Novichok

O uso de armas químicas contra um ser humano é absolutamente condenável em quaisquer circunstâncias. O envenenamento de Alexei Navalny é um cliché.

O envenenamento do principal adversário político do Presidente russo contém todos os contornos de um romance estereotipado de espionagem. A eliminação dos opositores políticos tem uma grande tradição na Rússia, tem sobrevivido aos solavancos da história e da sucessão de regimes e ilustra bem como o espaço público naquele país é tudo menos saudável.

A Rússia tem um grande historial de utilização de armas químicas contra as personae non gratae dos seus vários regimes e Alexei Navalny, que tem denunciado a corrupção na cúpula do poder na Rússia, é apenas a última vítima. O Novichok — a versão moderna da ilha de Sacalina — e todos os seus derivados químicos são meios para atingir um fim em Moscovo: o envenenamento de qualquer veleidade democrática. Há que viver uma vida tchekhoviana, sem história, como diz Svetlana Aleksievitch. Vladimir Putin sabe o que faz e Donald Trump não se importa com isso, pelo contrário. Quer um, quer outro são uma espécie de Novichok para a democracia.

É a maior das ironias deste século assistir à eleição de um Presidente republicano nos EUA com a bênção e a ajuda competente dos russos, algo inimaginável após um longo período de relações crispadas com ameaça de guerra nuclear ao fundo. Quando Trump vem dizer que não tem conhecimento de qualquer prova de envenenamento de Alexei Navalny, não está apenas a desmentir Angela Merkel ou a desautorizar a NATO. Está a retribuir o apoio de Putin a poucos meses da eleição, na qual os hackers russos podem voltar a desempenhar um papel determinante, aconselhando os jornalistas a preocuparem-se com a China e não com a Rússia. Claro. Imagine-se o que seria se Biden recebesse uma pequena ajuda de amigos russos.

Moscovo diz que não ter nada a ver com o assunto, não iniciou qualquer investigação ao caso por não existirem indícios de crime, não deverá prestar qualquer apoio e insinua que o envenenamento possa ter sido uma manobra de diversão ocidental. Navalny está internado em coma em Berlim, um laboratório militar confirmou que o político foi envenenado num aeroporto na Sibéria, enquanto tomava um chá, e Angela Merkel afirmou que “Navalny foi vítima de um crime”.

O uso de armas químicas contra um ser humano é absolutamente condenável em quaisquer circunstâncias. O envenenamento de Navalny é um cliché. Este será mais um crime sem castigo e sem consequências. A discordância continua a ser uma rebeldia demasiado cara.

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