Estes homens são todos iguais!

É claro que há mais pais ausentes do que mães. É claro que a maioria das mulheres é ainda oprimida pelo modelo patriarcal da nossa sociedade. Ninguém nega estes factos. Mas não se generalize demasiado.

Talvez um dos grandes problemas das generalizações seja mesmo este: são, ao mesmo tempo, conveniências de linguagem, e poderosos veículos de preconceito. Estamos cada vez mais alerta para este facto, quem sabe de um modo demasiado atento (como no recente exemplo de J. K. Rowling). Há, porém, no nosso quotidiano, generalizações possivelmente bem mais nocivas do que algumas polémicas mais mediáticas. É, pois, a minha vez de chamar a atenção para um preconceito que me diz directamente respeito. Mas de que me poderei queixar eu, um heterossexual branco de classe média, a quem a história levou ao colo? É que aparentemente sou um tipo doméstico-preguiçoso, obcecado pela carreira; negligencio a minha família, sobrecarregando a minha esposa com o fardo da educação dos filhos, da casa e mesmo do universo, enquanto fumo tranquilamente um charuto e bebo whiskey no meu escritório-clube, ignorando os berros dos meus filhos no quarto mesmo ao lado, tudo isto enquanto planeio a minha próxima grande vitória profissional.

Esta é uma caricatura, mas vem a propósito de um recente artigo de Maria João Marques, em que a autora assegura que, após ter consultado as mães dos colegas dos seus filhos, chegou à conclusão de que “são sempre as mães que se encarregam da gestão logística familiar”. Por outro lado, a mesma autora assegura que, ao contrário das mães, “os pais conseguiram continuar a ocupar o tempo de confinamento em atividades de enriquecimento pessoal ou em projetos profissionais”. Não é a primeira vez que ouço generalizações deste género, se escolhi esta é porque é a mais recente, e estou certo de que a autora apenas quis retratar um tipo de vivência familiar que é experienciada por muitas mulheres.

Reconheço até que a intenção do artigo é outra. Mas olhando para mim e para vários outros pais da minha geração, que conheço de perto, senti-me vagamente incomodado com tais opiniões, ainda para mais expressas de forma tão peremptória – mas não ao ponto de me sentir ofendido (não quero ser mais um indignado de causa avulsa). Quero só dizer que muitos de nós, homens, trabalhámos durante estes meses a partir de casa em condições longe de ideais, e posso garantir que avançámos muito pouco em termos profissionais – ou cumprimos os mínimos, ou fomos simplesmente para layoff, como foi o caso de um amigo próximo. Isto tudo enquanto tentávamos gerir o melhor que podíamos os três ou quatro meses de confinamento forçado, de maneira a acompanharmos de perto os filhos que tivemos a responsabilidade conjunta de pôr no mundo.

É verdade que nos revezámos muitas vezes com as nossas esposas ou companheiras, quando os seus compromissos profissionais (igualmente exigentes) o permitiam – um encontro de agendas que nem sempre foi fácil de gerir; fez-se o possível, e cada casal tentou encontrar o equilíbrio viável numa altura tão adversa (o amor tem destas coisas). E sim, como aliás sempre fizemos, também nós lavámos a louça, tratámos da roupa, cozinhámos almoço e jantar, pagámos as contas, fomos às compras, demos banho aos miúdos, mimos, beijos, contámos-lhes histórias, exasperámo-nos, perdemos as estribeiras, discutimos e fizemos as pazes.

Só houve uma coisa que não pudemos fazer: sermos mulheres. É nesse facto que, paradoxalmente e contra a sensibilidade politicamente correcta do nosso Zeitgeist, se parece basear toda a catadupa de blogs, artigos e tweets sobre o “milagre da maternidade” e das “super-mães”, capazes de carregar o mundo inteiro nas costas. É claro que há mais pais ausentes do que mães. É claro que a maioria das mulheres é ainda oprimida pelo modelo patriarcal da nossa sociedade. Ninguém nega estes factos. Mas não se generalize demasiado. Muitos de nós, homens, somos perfeitamente capazes de cuidar de uma criança e de um lar, e fazêmo-lo com gosto, e o melhor que podemos. Sozinhos ou acompanhados.

“Mas vocês representam uma minoria!”, talvez gritem em uníssono as mamãs da internet e os machos de alcatifa que nunca cozeram um ovo. Naturalmente, silencio-me perante o excelente argumento de que somos uma minoria e de que deveríamos era estar calados. É muito difícil de rebater, e é pouco usado. Fica, ainda assim, expresso este meu desgosto. E já agora, peço às mulheres e mamãs que assumem as mais variadas coisas acerca do meu género, que tenham em conta o facto de termos sempre ao nosso dispor um belo pronome indefinido na nossa língua: “algum”. Por favor, por respeito à minha invisível minoria, digam, “alguns homens” ou, quem sabe, “a maioria dos homens” – se houver dados que o comprovem. Não levarei, porém, a mal se não o fizerem. São generalizações, e valem o que valem. E sabemos que valem pouco.

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