Num bolso, já “é rara” uma carteira cheia de fotografias (e de afectos)
Conheces alguém que ainda guarde fotografias tipo passe na carteira? Magda Rodrigues – ou Mag Rodrigues, como é conhecida no Instagram – colocava a si própria a mesma questão até, há dois meses, ter dado início ao projecto fotográfico Três Por Quatro, que dedica "ao hábito, já em desuso, de se guardarem fotografias na carteira". Hoje, reflecte, em entrevista ao P3, "o equivalente a esse costume será colocar as fotografias [das pessoas de quem se gosta] no wallpaper do telemóvel".
A carteira é um objecto especial. É pessoal, intransmissível. Perdê-lo implica, no mínimo, um grande incómodo; no máximo, enorme dolo. Na carteira guardamos os nossos documentos de identificação, cartões bancários, dinheiro vivo, mas não só. Também é – será ainda? – um objecto portador de afectos, de memórias. A série Três Por Quatro explora "a relação material que algumas pessoas ainda mantêm com a fotografia, em tempos tão digitais", explica a fotógrafa lisboeta de 29 anos ao P3. "Se tens a fotografia de alguém na tua carteira, então é porque essa pessoa tem um significado forte, especial, para ti", conclui Magda. "Isso é indiscutível. Por norma, há afecto e amor associados à imagem. De forma simbólica, 'carregas' alguém de quem não te queres separar." É sobretudo a relação entre o dono da carteira e o retratado que fica em evidência nas imagens da série, pois nem todos têm honras de um lugar de carteira.
Fotografias do pai, da mãe, dos avós, dos filhos, dos netos, são as que mais se encontram nas 15 carteiras que Mag fotografou. Podem parecer simples fotografias tipo passe, mas contêm uma história pessoal que Mag descreve nas legendas das imagens que captou. "Conheci histórias incríveis", disse ao P3. "Às vezes, é como uma viagem no tempo. Tive nas mãos a carteira de um senhor que teria, hoje, 106 anos. O bisneto guardou a carteira, que estava cheia de fotografias de retratos de pessoas por quem o bisavô sentia afecto. E o bisneto guardou-a, também, pelo afecto que sente pelo bisavô."
Se estar presente é bom sinal, estar ausente de uma montra fotográfica de carteira pode ser doloroso. Em entrevista a Mag, um avô contou que um neto ressentiu a ausência do seu retrato entre os demais retratos de família. "Não foi intencional", justificou, em entrevista à fotógrafa. "Mas não tardei a arranjar um retrato dele. Gosto que os meus se sintam especiais, representados."
Magda quer deixar claro que este não é um hábito de pessoas idosas. "Fotografei carteiras de pessoas jovens, também." Mas quer continuar a encontrar mais pessoas, a conhecer mais histórias. Foi, ironicamente, numa open call que Mag lançou na sua mui digital conta de Instagram que chegou ao contacto com a maioria dos donos das carteiras que fotografou – missão a que pretende dar continuidade no futuro. "Se guardam [fotografias na carteira] ou conhecem quem o faz, falem-me."