Teletrabalho e os 300 espartanos

Confunde-se pausa com preguiça, confunde-se teletrabalho com trabalho a partir de casa, etc.. Ledo engano. O termo é bem mais complexo e abarca uma série de repercussões no dia-a-dia do trabalhador e do empregador.

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rui gaudencio

O teletrabalho, nova figura no nosso léxico diário, é já velha no nosso Direito. Está regulada no nosso Código do Trabalho desde, pelo menos, 2003, ainda que para uma realidade completamente diferente da que temos nestes “tempos dos últimos dias”.

Hoje, teletrabalho é sinónimo de “trabalhar a partir de casa”. Mas quais são as repercussões na vida do empregador e trabalhador?

Confunde-se pausa com preguiça, confunde-se teletrabalho com trabalho a partir de casa, etc.. Ledo engano. O termo é bem mais complexo e abarca uma série de repercussões no dia-a-dia do trabalhador e do empregador.

A legislação que veio forçando a aplicação do teletrabalho esqueceu que a noção não implica, sequer, que o trabalhador preste as suas funções a partir de casa mas, apenas, que o trabalhador não preste as suas funções nas instalações da entidade patronal. Prescreve o Código do Trabalho que se “considera teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”.

Mais, é verdade que é ao empregador – até com apoios estatais – que cabe assumir os custos com a colocação e manutenção da aparelhagem tecnológica utilizada pelo trabalhador, isto é, deve pagar a colocação do portátil lá por casa, preparado para rodar sem falha e, se a houver, deve a falha ser corrigida a suas expensas. É ainda o empregador, por força do regime geral do teletrabalho, obrigado a suportar “o pagamento das inerentes despesas”, isto é, das despesas causadas pela utilização daqueles meios tecnológicos. A título de exemplo, o acréscimo de energia gasta na casa do trabalhador por conta do teletrabalho (por imposição legal) deve ser suportado pelo empregador.

Os problemas criados pelo mau entendimento do regime do teletrabalho não ficam por aqui. Ultrapassam a barreira dos direitos fundamentais dos trabalhadores a atingem o direito aos limites do horário de trabalho, do direito ao descanso e ao repouso do trabalhador. O facto de o trabalhador estar em casa cria uma falsa sensação de descanso. Contudo, o telefone está on 24 horas por dia, o portátil sempre aberto. Qualquer chamada, tarefa, email ou resposta que o empregador ou o “chefe” lá da secção pede deve ser feita na hora. Ideia errada: o trabalhador em teletrabalho é equiparado a um trabalhador “normal” que preste serviço nas instalações da empresa. Mantém direito “ao repouso e aos lazeres”, pessoais e familiares, tal como previstos na Constituição da República Portuguesa. O tempo e o horário de trabalho não se alteram. Entendimento contrário seria uma forma de o empregador impor uma isenção de horário de trabalho sem a remuneração adequada. Ou seja, todas as chamadas atendidas ao “chefinho” fora do horário de trabalho são consideradas trabalho suplementar e devem ser ressarcidas dessa forma.

E se o trabalhador sofrer uma queda em casa? É acidente de trabalho? Pois, a verdade é que sim. O empregador deve comunicar à seguradora a alteração do local de trabalho (sob pena de responder pelos danos do trabalhador). Comunicada a alteração, o trabalhador está salvaguardado pelo seguro de acidentes de trabalho, incluindo quedas em diante o frigorífico.

O teletrabalho veio para ficar. Mas o trabalhador em época de pandemia não é uma espécie de espartano preparado para a guerra a toda a força e custo, dando a vida em função de ideia de uma Grécia unida.

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