Porque é que a educação assusta tanta gente?

Os números e as letras de pouco servirão se um jovem adulto não souber conviver com o outro nem viver em sociedade. Não querendo escamotear o papel fundamental da família no desenvolvimento infantil, é na sala de aula, no recreio e no convívio com os pares que essas aprendizagens se poderão potenciar.

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Paulo Pimenta

É consensual afirmar que, para a sociedade portuguesa, a educação é um bem fundamental e algo a promover activamente, quer de uma forma geral, através do Estado, quer de um modo mais micro, dentro do seio familiar. Contudo, a palavra educação é, em si, um conceito bastante abstracto e sujeito a múltiplas interpretações. E, como tal, é quando se tenta aprofundar o significado do termo que o consenso se transforma num insanável conflito.

Comecemos, assim, por analisar de forma pragmática o que algumas correntes académicas definem como educação e qual o papel da escola nesse processo. Quando nos debruçamos sobre o processo ensino-aprendizagem, existem pelo menos mais dois conceitos associados: instrução (aprendizagem sem qualquer espírito crítico) e formação (transmissão de conhecimento sem apelar a princípios morais ou sociais). Como tal, podemos analisar a educação em contraponto com estes dois: é a transmissão de conhecimentos, apelando ao sentido crítico do educando e aos princípios morais e sociais de uma determinada cultura.

Numa sociedade que se quer mais justa e harmoniosa, independentemente das orientações políticas, não podemos falar de escola sem falar de educação.

A verdade é que a escola é onde as crianças e jovens passam a maior parte do seu dia. E, como tal, é lá que são confrontadas com um conjunto de problemas morais e sociais que implicam uma resposta da comunidade escolar no seu todo. Seja porque há uma criança com uma deficiência na turma, ou porque a Maria é vítima de bullying, o José tem duas mães e o Naim não come nada durante o dia ao longo de um mês, a escola é tudo menos uma bolha onde o mundo não entra. O recinto escolar é o prolongamento do mundo.

Questiono, então, a utilidade de um sistema de ensino construído para mecanizar o pensamento, numa espécie de fábrica, onde as disciplinas são ministradas sem qualquer ligação com a realidade. Que gerações, que futuro, que país esperamos criar a partir de um sistema que há muito se crê ultrapassado? Porque é que a educação é tão assustadora para algumas pessoas?

Os argumentos utilizados para responder à última questão são sempre o do bem-estar e o da integridade das crianças. Porém, não é a constante tentativa de as proteger, de as isolar do mundo, de lhes negar um sentido crítico que as coloca verdadeiramente em risco?

O acesso a informação de qualidade e a discussão de problemas sociais e morais são a melhor forma de garantir a segurança, a integridade e o crescimento das nossas crianças. Os números e as letras de pouco servirão se um jovem adulto não souber conviver com o outro nem viver em sociedade. Não querendo escamotear o papel fundamental da família no desenvolvimento infantil, é na sala de aula, no recreio e no convívio com os pares que essas aprendizagens se poderão potenciar.

Como tal, a discussão acerca do direito de objecção de consciência relativamente a uma disciplina de Cidadania e Desenvolvimento é estéril logo à partida, no contexto de uma sociedade democrática e de um sistema de ensino que pretende apoiar o desenvolvimento das crianças e jovens em todos os aspectos. Aliás, podemos encarar a situação como sendo uma óptima oportunidade para os pais pararem, colocarem o telemóvel em silêncio e discutirem os temas debatidos na aula durante o jantar.

A educação tem mesmo de ser assim tão assustadora?

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