Boris perdeu a graça

Keir Starmer, o novo líder do Labour, tem sido um eficaz líder da oposição, e nas perguntas semanais ao primeiro-ministro (sim, porque aquilo não é o Parlamento português, onde o primeiro-ministro foi desobrigado de aparecer de 15 em 15 dias) tem revelado uma enorme capacidade de incomodar Boris.

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Reuters/HOC/JESSICA TAYLOR
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Percebe-se que o primeiro-ministro britânico está totalmente “descompensado” quando, na Câmara dos Comuns, acusa o líder dos trabalhistas, Keir Starmer, de ser cúmplice do IRA – isto sem apontar quaisquer provas, o que seria difícil, porque não existem. As férias na Escócia não acalmaram o homem que governa o Reino Unido, sede europeia do maior número de mortes por covid-19. A sua errância a lidar com a pandemia é provavelmente a maior responsável pela queda nas sondagens.

Boris começou por defender uma aproximação igual à da Suécia (que se recusou a impor um lockdown semelhante ao dos outros países europeus e tem uma taxa elevada de mortalidade, mas não tão elevada como a do Reino Unido) para depois fazer uma mudança de 180 graus e impor um confinamento restrito que não travou a tragédia que viveram as ilhas. Pessoalmente, também foi vítima da tragédia, passando alguns dias nos cuidados intensivos por ter contraído por covid-19, apesar de inicialmente ter desvalorizado a doença. Lembram-se de quando se gabava de continuar a apertar as mãos a toda a gente quando já quase ninguém o fazia?

Em Dezembro, obteve uma maioria absoluta com uma mensagem simples: cumprir o “Brexit” (“Get the Brexit done”). Mas o “Brexit”, que foi central no debate político no Reino Unido e na Europa desde 2016, foi atropelado pela covid-19. Não na cabeça de Boris: correu com a figura principal do “civil service” por desconfianças sobre o “Brexit”, encheu a Câmara dos Lordes de fiéis brexiters, incluindo o seu irmão, de duvidosa competência, e protegeu o seu assessor Dominic Cummings, que, de uma forma bastante clara, não cumpriu a lei do confinamento.

Keir Starmer, o novo líder do Labour, tem sido um eficaz líder da oposição, e nas perguntas semanais ao primeiro-ministro (sim, porque aquilo não é o Parlamento português, onde o primeiro-ministro foi desobrigado de aparecer de 15 em 15 dias) tem revelado uma enorme capacidade de incomodar Boris. A última sondagem, que alarmou os tories, vê o partido de Johnson a cair 26 pontos, para um empate com o Labour.

A verdade é que depois da gestão desastrosa da pandemia e de uma taxa de mortalidade assustadora, Boris Johnson ainda tem 40% do eleitorado. É muito menos do que teve, e Starmer é hoje consistentemente visto como um possível e competente primeiro-ministro. Mas não há eleições tão cedo no Reino Unido e, como este ano nos ensinou, a capacidade de as coisas mudarem radicalmente é imensa.

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