Merkel sob pressão para abandonar gasoduto com a Rússia após envenenamento de Navalny

Organização para a Proibição de Armas Químicas manifestou “enorme preocupação” com envenenamento, enquanto Kremlin rejeita responsabilidades. Construção do gasoduto Nord Stream II deve estar concluída em 2021.

Foto
Angela Merkel pediu explicações à Rússia pelo envenenamento de Alexei Navalny Reuters

A chanceler alemã, Angela Merkel, está a ser pressionada internamente para reconsiderar a construção conjunta do gasoduto Nord Stream II com a Rússia, depois de Berlim ter garantido que Alexei Navalny foi envenenado com Novichok.

Na quarta-feira, Merkel pediu explicações à Rússia depois de afirmar que, segundo as conclusões de um laboratório militar especializado em agentes químicos, o principal opositor do Presidente russo, Vladimir Putin, foi vítima de uma tentativa de homicídio com recurso a um agente de nervos da família do Novichok, uma arma química altamente tóxica, desenvolvida na União Soviética, utilizada em 2018 no Reino Unido contra o antigo espião Sergei Skripal e a sua filha.

Berlim, que contou com o apoio da União Europeia, NATO, Reino Unido e Estados Unidos, prometeu uma resposta a Moscovo, e, internamente, inclusive dentro da própria CDU de Merkel, aumenta a pressão para que a Alemanha abandone a construção do gasoduto Nord Stream II, um projecto polémico desde o início, e ao qual os EUA se opõem. No valor de dez mil milhões de euros, vai duplicar a capacidade do actual Nord Stream I, permitindo o transporte directo de gás natural da Rússia para a Alemanha, através do mar Báltico.

“Devemos seguir uma política dura, responder com a única linguagem que Putin entende, que é a venda de gás”, disse nesta quinta-feira a uma rádio alemã Norbert Röttgen, chefe da comissão de Negócios Estrangeiros do Parlamento alemão (Bundestag), e um dos nomes apontados à corrida para a sucessão a Merkel, pedindo uma “resposta forte” por parte da UE.

“A conclusão do gasoduto Nord Stream II seria um encorajamento a Putin para continuar este tipo de políticas”, acrescentou Röttgen.

A oposição ao gasoduto chegou também por parte dos Verdes, que estão em segundo nas sondagens, atrás da CDU. “Esta tentativa aberta de assassínio por parte das estruturas mafiosas do Kremlin não só nos deve preocupar como deve ter consequências reais”, disse a co-líder do partido no Bundestag, Katrin Göring-Eckardt, citada pelo The Guardian. “O Nord Stream II não é uma coisa que possamos continuar em conjunto com a Rússia”, rematou.

O projecto aprovado em 2005 pelo então chanceler social-democrata Gerhard Schröder (do SPD, actual parceiro da CDU no Governo) conta com a oposição dos Estados Unidos, que chegaram a impor sanções a empresas que participassem no projecto com a empresa russa Gazprom, e tem gerado divisões dentro da UE, com os países do Báltico a temerem que o novo gasoduto dê mais poder a Vladimir Putin e que Bruxelas aumente a sua dependência em relação à Rússia no fornecimento de energia, alienando a Ucrânia.

Apesar do aumento da pressão do Ocidente sobre a Rússia no caso de envenenamento de Alexei Navalny — em coma desde 20 de Agosto depois de ter bebido um chá no aeroporto na Sibéria e a receber tratamento no Hospital Charité, em Berlim —, Merkel, garantiu no início da semana que a construção do gasoduto vai ser concluída, reiterando a importância económica do mesmo para o país. 

O projecto está praticamente acabado e é expectável que entre em funcionamento em 2021. O seu cancelamento, segundo a analista Sarah Pagung do think tank German Council on Foreign Relations, seria “a medida mais dura possível contra a Rússia”, mas também teria elevadas consequências financeiras para os países europeus envolvidos na construção do gasoduto. “Não devemos descartar essa opção, mas é improvável”, disse à Deutsche Welle a especialista em relações diplomáticas entre Alemanha e Rússia. 

Kremlin rejeita acusações

Com as vozes de condenação à Rússia a aumentarem no Ocidente, o Kremlin rejeitou qualquer envolvimento no ataque a Navalny, que nos últimos anos tem exposto a corrupção no país, envolvendo políticos, burocratas e oligarcas russos, o que lhe tem valido ataques e ameaças.

“Não há razão alguma para acusar o Estado russo, e não vamos aceitar acusações a esse respeito”, disse Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, numa conferência de imprensa, acrescentando que, até ao momento, Moscovo ainda não recebeu qualquer informação oficial de Berlim. Peskov disse ainda que “não vê qualquer motivo” para que sejam aplicadas sanções à Rússia. “Não queremos julgamentos precipitados dos nossos parceiros alemães e europeus. Preferimos o diálogo”, acrescentou. 

Por outro lado, figuras do regime de Putin, como o responsável pelos serviços secretos, Sergei Narishkin, ou o vice-presidente do Comité de Defesa da Duma (câmara baixa do Parlamento russo), Iuri Shvitkin, equacionaram a hipótese de o envenenamento ter sido orquestrado pelo Ocidente, segundo declarações à agência RIA. Na semana passada, as autoridades russas rejeitaram iniciar uma investigação criminal, por considerarem que não existiam indícios de qualquer crime. 

A Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla em língua inglesa) manifestou “enorme preocupação” com o envenenamento de Alexei Navalny e reiterou que o uso de armas químicas, como o Novichok, viola a lei internacional, manifestando disponibilidade para colaborar com as investigações.

Merkel disse que vai informar a NATO e a UE sobre os resultados da investigação para que seja discutida uma resposta conjunta a Moscovo. No entanto, a Comissão Europeia, que pediu esta quinta-feira, através do seu porta-voz Peter Stano, uma investigação “transparente" e "credível” ao Kremlin, sublinhou que apenas poderá impor sanções a Moscovo depois de serem apurados os responsáveis pelo envenenamento de Navalny. A Lituânia quer que o tema seja discutido no próximo Conselho Europeu, a 24 de Setembro.

Sugerir correcção