Afinal, o cão-cantor da Papuásia-Nova Guiné não está extinto

Cientistas redescobriram a espécie ancestral selvagem do cão-cantor-da-nova-guiné, considerada extinta há 50 anos. “São animais exóticos que têm uma vocalização harmónica bonita que não se encontra em qualquer outro lado na natureza.”

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Fêmea do cão-cantor-da-Nova-Guiné selvagem que acompanhou James McIntyre New Guinea Highland Wild Dog Foundation

A espécie canina selvagem — conhecida pelas suas habilidades vocais semelhantes ao cantar da baleia-corcunda —, de nome científico Canis lupus hallstromi, considerada extinta em ambiente selvagem depois de ter desaparecido da Cordilheira Central da Nova Guiné há 50 anos, foi encontrada no lado indonésio da ilha.

Com base em amostras de ADN recolhidas na Papuásia-Nova Guiné, durante uma investigação científica desencadeada por possíveis avistamentos na zona, foi reportado esta segunda-feira, 31 de Agosto, o reaparecimento da espécie ancestral. O artigo, publicado na revista académica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), indica que não se trata de animais domesticados que povoaram a área, mas sim da espécie selvagem.

Segundo o estudo, este cão selvagem foi inicialmente descoberto em 1897, depois do avistamento de um indivíduo na Província Central da Papuásia-Nova Guiné. Actualmente, subsistem apenas 200 cães cativos em centros de conservação ou jardins zoológicos, descendentes de cães selvagens capturados nos anos 70.

“O cão-cantor-da-nova-guiné que conhecemos actualmente é uma raça que foi basicamente criada pelo ser humano”, explica Elaine Ostrander, investigadora dos Institutos Nacionais da Saúde (NIH) norte-americanos, e co-autora do artigo, na notícia divulgada pelo NIH. “Oito indivíduos foram trazidos da Cordilheira Central da Nova Guiné para os Estados Unidos e cruzados entre si para criar este grupo.”

De acordo com o The New York Times, James McIntyre, presidente da Fundação do Cão Selvagem da Nova Guiné (NGHWD) e o impulsionador desta investigação, iniciou a sua procura pelo cão-cantor-da-nova-guiné selvagem em 1996 na Cordilheira Central da ilha, dividida entre a Indonésia e a Papuásia-Nova Guiné. O avistamento da espécie por um guia turístico em 2012, perto da Mina de Grasberg, desencadeou a investigação de McIntyre. Em 2016, depois de um mês à procura, conseguiu captar fotografias de 15 cães distintos.

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Em 2018, os investigadores regressaram à Papuásia-Nova Guiné e conseguiram recolher amostras de ADN de dois cães selvagens capturados, libertados após a recolha, e de um encontrado morto. Após a análise e comparação dos genomas, os cientistas concluíram que os animais encontrados por McIntyre aparentavam pertencer à linha ancestral da qual descende o cão-cantor-da-nova-guiné domesticado.

“Descobrimos que o cão-cantor-da-nova-guiné e os cães selvagens da cordilheira têm sequências de genoma muito semelhantes, muito mais próximas uma da outra do que das de outros canídeos conhecidos”, afirma Heidi G. Parker, uma das cientistas envolvidas na análise do ADN recolhido por McIntyre, em declarações divulgadas pelo NHI.

O cão-cantor selvagem tem, então, cerca de 72% de parecença genética com o seu parente em cativeiro, ambos da família taxonómica Canis lupus familiaris. Devido a décadas de reprodução sem cruzamento de novos genes, estes cães apresentam um genoma menos diversificado do que o dos seus antecessores.

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Com esta descoberta, os cientistas esperam poder cruzar os cães selvagens com os em cativeiro para criar uma população do cão-cantor-da-nova-guiné genuína. “O cão-cantor-da-nova-guiné é raro. São animais exóticos que têm uma vocalização harmónica bonita que não se encontra em qualquer outro lado na natureza. Portanto, perder uma espécie destas não é bom. Não queremos ver este animal desaparecer”, reflecte Ostrander.

A investigadora afirma ainda, na publicação do NIH, que esta descoberta é também bastante significativa para uma melhor compreensão das raças modernas e da domesticação de cães. “Na verdade, muito do que aprendemos sobre cães reflecte-se nos humanos”, conclui.

O cão-cantor-da-nova-guiné é um cão selvagem que possui uma vocalização melódica, desenvolvido de forma livre e independente, sem a influência de outros canídeos, durante quase 6000 anos. Este isolamento genético atribuiu diversas características singulares à espécie. O uivo cantado do Canis lupus hallstromi é descrito como um som único, que sincroniza vários tons, formando uma harmonia.

Dado o difícil rastreamento, pouco se sabe sobre o seu comportamento selvagem, organização social ou história. Como tal, existem apenas dois avistamentos comprovados por fotografia, que confirmaram a sobrevivência deste animal na natureza, e os poucos estudos realizados foram em indivíduos da espécie em cativeiro. Embora existam bastantes populações criadas em jardins zoológicos, durante mais de meio século esta espécie manteve-se esquiva até ser fotografada em 2012 por um guia de ecoturismo, o primeiro avistamento desde os anos 50.

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O cão-cantor-da-nova-guiné é parente do dingo australiano (Canis lupus dingo) e do cão asiático (Cuon alpinus) — cujo uivar cantado se lhe assemelha —, que migrou com o ser humano para a Oceânia há mais de 3500 anos. Os investigadores pensam que o cão-cantor poderá ter-se separado nessa altura de um ancestral comum que mais tarde originou raças como o akita — o cão do filme Hachi (Lasse Hallström, 2009) — e o shiba inu.

Texto editado por Ana Maria Henriques

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