Os suspeitos do costume

As tarifas praticadas pelos privados refletem os custos de exploração e investimento que garantem a prestação de um bom serviço. O setor público subverte as regras do jogo, escondendo custos e desperdícios.

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Rita Franca

Nos últimos anos, o ruído à volta do setor privado das águas tem subido de tom, com a tónica nos alegados preços elevados que pratica. Desviar as atenções para as empresas privadas é fácil e permite, inclusivamente, encobrir o que não interessa expor.

Decidir se uma concessão deve ser privada ou pública com base no preço a pagar pela fatura da água é, no mínimo, redutor e enganador. Tomemos o seguinte exemplo. Pedro Filipe Soares assina um artigo de opinião no PÚBLICO, no qual, recorrendo a informação recentemente publicada numa notícia de outro órgão de comunicação social, refere que o encargo anual de uma família em Santo Tirso/Trofa (entidade privada), com um consumo mensal de 10 m3 de água, é seis vezes superior ao de uma família que consome o equivalente em Peso da Régua (entidade pública). E por que será? Ao analisarmos outros indicadores que não apenas o preço, verifica-se que: em 2017, Peso da Régua tinha perdas de água de 74%; já em Santo Tirso/Trofa, as perdas eram de 10%, valor bem abaixo da média nacional, que se situa nos 30%. Isto demonstra que, por um lado, estamos perante uma gestão sustentável que respeita as questões ambientais, enquanto, por outro, assistimos a uma gestão que nada faz para evitar o desperdício. Assim, sem investimento, é fácil praticar preços baixos.

Se dúvidas houvesse sobre esta realidade, o estudo do Instituto Superior Técnico de 2017 — “Análise de desempenho Operadores Públicos e Privados no Setor da Água em Portugal” – é muito claro: “Os operadores privados tendem a evidenciar uma melhor eficácia no aumento de cobertura dos serviços, tanto no abastecimento de água como no saneamento de águas residuais.” E, se quisermos olhar para a questão do preço, “embora os operadores privados apresentem tarifas mais elevadas, tendo em consideração o maior nível de exigência que lhes é imposto, nomeadamente ao nível da retribuição a pagar ao concedente e da não subsidiação dos investimentos, foi possível constatar que, ao remover estes aspetos que os diferenciam das entidades gestoras públicas, o seu desempenho financeiro, em termos de modicidade de tarifas, é superior. E, ainda assim, os operadores privados têm encargos (e.g. fiscais e maiores amortizações) que os penalizam quando comparados com os seus congéneres operadores públicos e não são contabilizados na comparação”.

Ou seja, as tarifas praticadas pelos privados refletem os custos de exploração e investimento que garantem a prestação de um bom serviço e permitem assegurar a renovação constante das suas infraestruturas. O setor público, pelo contrário, subverte as regras do jogo, escondendo custos e desperdícios.

Sejamos, então, honestos e comparemos o que pode ser comparado. Se o fizermos, não será difícil perceber que os preços praticados pelos privados são, afinal, muito mais baixos e vantajosos para o interesse público.

Olhemos também para os dados da Entidade Reguladora de Serviços de Águas e Resíduos: as dez entidades que mais desperdiçam água, com valores superiores a 60%, são públicas; as oito primeiras com desperdícios inferiores a 15% são privadas.

Posto isto, e porque o valor da água não está no preço, ilibem-se os suspeitos do costume.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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