Crise na Bielorrússia: desafio à segurança regional

A actual crise na Bielorrússia e a crise nas relações entre o Ocidente e a Rússia são um momento definidor de um novo relacionamento entre todos os actores políticos e constitui mais um importante desafio estratégico.

As eleições presidenciais na Bielorrússia (“Rússia Branca”) representam o mais sério desafio à liderança autocrática de Lukashenko e parecem indicar um óbvio sinal de desgaste de um regime surgido após a desintegração da União Soviética em 1991.

No Ocidente, a Bielorrússia é provavelmente mais conhecida como “a última ditadura da Europa”. É um dos seis países que emergiram das ruínas da União Soviética na Europa Ocidental. Para o Kremlin, a Bielorrússia tem uma importância geoestratégica incontornável, representando um escudo de protecção que separa a Rússia do ocidente, para além de permitir o acesso ao enclave de Kaliningrado.

No que diz respeito à política externa existe um obstáculo particularmente difícil de superar e está relacionado com a ambiguidade da posição geopolítica da Bielorrússia: o Ocidente não é mais o mesmo “inimigo” de antes. A Rússia não é mais um “amigo” claro, mas os laços que unem Bielorrússia ao seu vizinho do Leste não mostram sinais de desaparecer.

Localizada entre a Polónia e a Rússia, a Bielorrússia é considerada pelos russos como sua zona-tampão, uma área estratégica fundamental para a sua segurança. Com o fim da Guerra Fria, a neutralidade dos bielorrussos transformou-se num delicado equilíbrio entre a Rússia e a NATO. O peso de Moscovo sobre a Bielorrússia é enorme, dados os laços culturais, políticos e económicos. Minsk depende do vizinho em quase tudo, a começar pela energia. Contudo, nos últimos anos Minsk tem-se aproximado do Ocidente, chegando a permitir manifestações contra as ambições imperiais de Moscovo.

A posição de Vladimir Putin é considerada decisiva em relação ao futuro próximo da Bielorrússia, designadamente quanto à permanência de Lukashenko no poder. Na sua primeira década à frente do Kremlin, Putin subsidiou a economia da Bielorrússia com gás e petróleo a baixo preço e empréstimos em condições muito vantajosas. Em 2004, inicia‑se um período de desentendimentos de Lukashenko com as autoridades russas, que se repercutiram na eclosão de crises energéticas, relacionadas com o preço a ser cobrado pelo fornecimento do gás à Bielorrússia e o controlo do gasoduto de Yamal, por onde passa 15% do gás que a Rússia exporta para a Europa.

A partir de 2016, Minsk acedeu às visitas da UE e recebeu altos representantes dos EUA. Putin retaliou em 2019, com a reabertura do processo de união entre a Rússia e a Bielorrússia, um acordo que existe desde 1999 e prevê a integração comum com a Rússia. Ainda que, aquele acordo privilegiasse a integração política, económica e militar entre Moscovo e Minsk, a verdade é que apenas se concretizou a cooperação nos domínios da defesa e segurança.

Rivais de circunstância, Lukachenko e Putin estão unidos pelo destino de suas ditaduras. Como as eleições provocaram uma violenta repressão, o bielorrusso perdeu o apoio da UE e terá agora de se alinhar novamente à Rússia. Com a enorme tensão que se vive nas principais cidades do país, a Rússia aproximou Forças Armadas da fronteira para a realização de exercícios, que são uma demonstração de força. E a Bielorrússia iniciou exercícios junto à fronteira com a Polónia e Lituânia.

Aliás, a doutrina Putin considera a instabilidade dos países vizinhos como uma ameaça para a segurança russa, tendo o direito de intervir para os estabilizar. Por outro lado, Lukashenko acusa a NATO de estar demasiado perto do seu território, manifestando preocupação com os exercícios militares na Polónia e na Lituânia, que vê como uma aproximação perigosa de armas ocidentais das fronteiras bielorrussas. Aquela organização assegura que tem apenas uma presença defensiva.

Putin classificou a queda da União Soviética como o maior desastre geopolítico da história. Certamente isso é verdade para a história da Rússia, pois teve impacto negativo na segurança das suas fronteiras. Por isso, a política externa russa deu prioridade às relações com a vizinhança próxima, países com os quais há um passado comum, proximidade linguística e que são importantes parceiros comerciais e políticos da Rússia.

Ao contrário da Ucrânia, na Bielorrússia não há um confronto ou agenda geopolítica por trás dos protestos. E não há um sentimento anti-Rússia, o que será levado em conta no tipo de intervenção da Rússia.

Analisemos o desafio à segurança regional provocada pela instabilidade da Bielorrússia. Se as forças dos EUA ou da NATO ocupassem a Bielorrússia, seriam capazes de ameaçar o coração da Rússia directamente. Por outro lado, se forças russas tivessem assumido o controlo da Bielorrússia e colocadas na fronteira ocidental, estariam em posição de ameaçar directamente a Polónia, e, portanto, o resto da Europa. Porém, o contingente de forças americanas já destacado na Polónia poderia levar à escalada de um conflito.

Assim sendo importa responder à questão o que podemos esperar para os próximos tempos? Temos de estar atentos à expansão do movimento pacífico do país; a quantas deserções vão ocorrer dentro dos grupos leais ao regime. Em segundo lugar, perceber o que é que os militares que não estão envolvidos na repressão vão fazer. E, por fim, o que a Rússia vai fazer.

Considerando os factores em análise podem ser configurados três cenários. Uma intervenção militar, tendo em conta as intervenções do Kremlin na Geórgia 2008 e Ucrânia 2014, será pouco provável por ser demasiado arriscada para Putin. Além disso, o Kremlin aprendeu com seus erros na Ucrânia em 2004 e 2014 que ficar do lado de um presidente deslegitimado renderá a Moscovo a raiva e a desconfiança. Se interviesse, perderia o apoio da população bielorrussa.

Utilizar outra abordagem mais camuflada, apoiando as forças de segurança dentro da Bielorrússia ou até enviar pequenos grupos que se infiltram e fazem o trabalho de contra-informação. Parece ser um cenário provável. A outra hipótese possível é a Rússia promover uma transição pacífica para uma Bielorrússia sem Lukashenko, respondendo a uma situação que era imprevisível, através de cortes nos apoios à economia e na energia, bem como outros meios de dissuasão. Este será o cenário mais provável.

A actual crise na Bielorrússia e a crise nas relações entre o Ocidente e a Rússia são um momento definidor de um novo relacionamento entre todos os actores políticos e constitui mais um importante desafio estratégico das últimas décadas, cuja resposta só pode ser política. Guerra é caos e sofrimento.

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