Dia 97: quando os avôs têm ciúmes das avós

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação, de birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Ana,

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Hoje o tema é tabu: os ciúmes que o avô sente em relação aos netos. Ou avôs que se queixam dos ciúmes das avós, desesperadas porque os netos os preferem a eles, porque se queixam de que os maridos “não vêem mais nada à frente!”.

A “ferida” é a mesma em ambos os casos, um homem ou uma mulher que deixa de se sentir central na vida do outro, que se sente preterido, que suporta mal ver a paixão que as crianças suscitam na pessoa que queria só para si. Convenhamos que não é fácil ver alguém que amamos apaixonado por outra(s) pessoa(s), e é assim que muitos avós descrevem o estado em que ficam perante um neto(s).

Talvez seja até o reabrir de uma dor antiga, porque há uma forte probabilidade que enquanto mãe, ou enquanto pai, tenha sentido o mesmo em relação ao filho/filha de quem estas crianças são agora filhas. Ou, levando a psicanálise de trazer por casa mais longe, o facto de nunca se terem sentido, mesmo enquanto filhos, o melhor do mundo para alguém. São dores mascaradas porque é tão difícil admiti-las para nós próprios, quanto mais perante os outros: que “monstra” tem ciúmes do lugar que uma filha ocupa no coração de um pai; ou que abominável homem das neves inveja a cumplicidade de uma filha com a mãe, relação da qual se sente excluído? Já para não falar no passado, a que regressar pode parecer uma pura perda de tempo, o que lá vai, lá vai (o pior é que não vai nada!).

Esta relação central com os netos pode também ameaçar o sonho que se fez para a tão ansiada reforma — depois de uma vida dedicada ao trabalho e ao sustento da família, finalmente seria possível viajarem, passearem, entrarem e saírem às horas que lhes apetecesse, sem compromissos, quase como um regressar à adolescência mitificada. E, afinal, é uma versão Pais take 2, uma sequela manhosa porque, ainda por cima, não se tem o verdadeiro controlo de nada, e até se embirra com a forma como as crianças estão a ser educadas.

Não me parece que seja fácil para qualquer uma das partes envolvidas. Conheço avós que quase escondem os seus programas com os netos, que inventam pretextos e urgências para justificarem aos avôs a sua necessidade de estar com os netos, que atiram as “culpas” para os filhos/genros/noras que supostamente lhe impuseram a obrigação de os ir buscar à escola ou levar à natação.

Percebo que esta tensão, e a raiva surda que causa em ambos os membros do casal augura tudo menos uma velhice pacífica que ambos ambicionavam. Provavelmente vão calá-la porque, nesta fase, nenhuma das partes se sente com vontade de mudanças de vida radicais, de separações ou de rupturas que as possam deixar sozinhas. Tudo porque fomos educados a não aceitar os sentimentos e a expressá-los sem culpas, nem recriminações. Mil vezes ser capaz de dizer “Tenho ciúmes, queria-te mais para mim!”, do que entrar em amuos e em teatros fingidos. Porque, convenhamos, precisa tanto de parar para pensar quem “foge” do casal para os netos, tirando deles a realização e satisfação que o outro lhe podia e devia dar, como aquele que aponta o dedo, critica e seringa o juízo alheio, sem pôr as cartas na mesa e fazer por devolver à relação entre os dois o sentido e a paixão que desejava que ela tivesse.

Não me parece que seja muito diferente daquilo que se passa com os pais, perante uma casa que se vai enchendo de filhos. E, se fossem capazes de resolver o problema logo aí, talvez nada disto acontecesse no momento em que se tornam avós. Será?


Mãe,

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Ufff... Claramente esse tema não é exclusivo aos avós! Aconteceu-me a mim e vejo agora acontecer a todas as minhas amigas. E é um ciclo que, visto de fora, e fazendo obviamente uma generalização, quase que dá vontade de rir.

Começa assim: a mulher torna-se mãe e fica totalmente absorvida pelo bebé e o pai começa por ter ciúmes do bebé porque sente a falta da atenção da mãe e, pior, não consegue criar grande relação com o filho. O que é compreensível porque, de cada vez que o bebé está agitado e o pai pega nele para o consolar, o bebé chora mais ainda, e se já souber esticar os braços ou dizer umas palavras, grita pela mãe. E aí, magoado, o pai apazigua os ciúmes, devolve a criança com um comentário azedo do estilo “Ah ela só quer a tua maminha!”, como quem diz “Não te sintas assim tão especial, é só um amor interesseiro!”.

Passam-se dois anos nesta bolha, e a mãe vive a ambiguidade de precisar de espaço, mas simultaneamente adorar este “papel”. De repente, a criança agarra-se ao pai que nem uma lapa. E isto, posso dizê-lo por experiência pessoal, é sentido como uma facada no coração! E nós mães, que nem éramos dadas aos ciúmes, sorrimos para fora a dizer “Ah isto é normalíssimo... Complexo de Electra e coisa e tal...”, enquanto roemos as unhas e recalcamos a irritação. Então quando choram à noite e, solícitas, vamos em seu socorro e somos recebidas por uma criancinha a implorar pelo pai, é de entrar em histeria completa. “Aproveita” dizem as amigas, e até aproveitávamos, mas... o ciúme não deixa!

Como aparece quando os miúdos só querem ficar em casa dos avós, e os avós morrem de ciúmes quando os netos se recusam a ir com eles, pendurados nas saias das mães, ou mais insuportável do que isso, às saias de uma tia, ou madrinha, ou de alguém que biologicamente nem lhes é nada.

Moral da história: quem ganha são, mais uma vez... os miúdos! Que têm uma família inteira a concorrer pelo primeiro lugar no coração destes seres extraordinários.

O único antídoto é esse mesmo: não deixarmos de investir em todas as outras pessoas e coisas de que gostamos de fazer, não nos esqueçamos de como somos sozinhas, em casal, em família alargada ou com os amigos. Porque não só isso nos torna melhores pessoas e mais felizes, como — por isso mesmo — nos ajuda a não nos deixarmos consumir pelos ciúmes.

Mas tem razão, mãe, o primeiro passo é admiti-lo. Nem que seja só para nós mesmos. Mal o conseguimos traduzir por palavras, não só conseguimos a empatia do outro (e o desconto para a nossa irritação), como nos liberta daquele peso que cresce quando é escondido.

Beijos
 


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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