Para recuperar o país serão necessários consensos, apela António Costa

Primeiro-ministro não fez menção a parceiros de esquerda em discurso da rentrée socialista

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LUSA/PAULO NOVAIS

Depois de dramatizar o cenário de crise política, António Costa pediu consensos, embora não tenha feito menção directa aos partidos da esquerda parlamentar. Em Coimbra para participar na rentrée socialista, uma conferência que juntou autarca e dirigentes do PS no Convento São Francisco, em Coimbra, o primeiro-ministro apelou a “um consenso” económico, político e social para ultrapassar a crise causada pela pandemia.

“Não podemos simultaneamente dizer que estamos a enfrentar a maior crise económica de sempre e esperar que essa crise económica vá desaparecer por milagre amanhã, se a covid desaparecer, apontou António Costa. “Não vai, vai deixar marcas, porque houve empresas que foram destruídas, há empresas que não vão reabrir e há capital que se perdeu”, afirmou num discurso de uma hora em que estabeleceu os pontos prioritários do programa de recuperação do país. A recuperação desta crise é um trabalho de fundo e muito exigente”, acentuou o secretário-geral do PS. O chefe de governo diz que está a trabalhar para “criar as condições para que, no horizonte da legislatura haja estabilidade necessária para aprovar” todos os programas que o seu executivo está a preparar, lembrando que alguns deles vão para lá desta legislatura e outras mesmo que “transcendem a próxima legislatura”.

Antes de se lançar na descrição da estratégia dos socialistas para recuperar o país, já no auditório do Convento São Francisco, Costa disse que esta conferência do PS, tomando as devidas medidas de segurança, é a prova de que “nada obriga os partidos políticos a pararem a sua actividade”, num claro piscar de olho ao PCP, que tem visto a realização da sua festa do Avante questionada. Isto depois de garantir, à entrada, que as regras para o evento dos comunistas estão “definidas e são comunicadas hoje no briefing” diário da DGS.

Os avisos (bem como o mote) ficaram por conta da líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, que arrancou os primeiros aplausos do dia quando falou na necessidade de haver “estabilidade política”, mas também de uma “agenda de esquerda” para a recuperação do país. “É aí, meus caros camaradas, à esquerda, que queremos continuar a liderar a solução política de que Portugal precisa”, disse em Coimbra, perante um auditório com mais de 500 pessoas.

Do ultimato ao consenso

Após Costa ter sido obrigado a explicar-se sobre a entrevista ao Expresso – tida como um ultimato aos partidos à esquerda – Ana Catarina Mendes estendeu a mão aos partidos da esquerda, mas com um carregado sublinhado nos avisos: o PS conta “com o sentido de responsabilidade dos partidos” que compõem a maioria de esquerda no Parlamento, “respeitando as diferenças, mas pondo sempre o interesse nacional de Portugal acima de qualquer agenda ou tacticismo partidário”.

“O tempo não é de expectativas irrealistas, feitas de pressões, chantagens ou olhares sobre o umbigo”, avisou a líder parlamentar. O caminho em direcção a um bloco central está posto de parte, considerou, uma vez que “a receita que a direita tem para oferecer é exclusivamente feita de cortes e de austeridade”. Sendo estas as circunstâncias, este “cimento” tem que “ser mais que suficiente para unir toda a esquerda parlamentar”.

Na apresentação, Costa delineou o roteiro: primeiro, controlar a pandemia; depois a recuperação tem de ser transversal, atacando vulnerabilidades sociais, estruturando o potencial produtivo e promovendo a competitividade e coesão territorial. Debaixo desses três guarda-chuvas cabem várias áreas, do Serviço Nacional de Saúde às respostas sociais para a população idosa, do problema da habitação à necessidade de qualificar os portugueses, passando também por questões das infra-estruturas, das florestas e da demografia.

Numa plateia apenas com autarcas e dirigentes socialistas, António Costa fechou o discurso a falar sobre a descentralização, lembrando que “não era este o calendário político para fazer a regionalização”. Ainda assim, o governo vai avançar já este ano, em Outubro, com a eleição indirecta dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional pelos autarcas de cada região.

O chefe do governo referiu que, mesmo havendo uma grande disponibilidade de fundos comunitários, o governo prescindiu do poder, transferindo a bola para os autarcas das regiões. “Isto significa que quisemos e queremos envolver todos neste esforço de recuperação do país”, fez notar Costa. Respondendo a críticas de que o modelo de eleição dos presidentes das CCDR tem sido alvo, o primeiro ministro justificou o timing da medida, que não coincide com o ciclo autárquico que se inicia em 2021: se se adiasse um ano esta escolha, a elaboração dos Programas Operacionais Regionais ficaria a cargo do governo central e não dos autarcas.

Máximo de subvenções e mínimo de empréstimos

Quanto à utilização dos fundos europeus nos próximos anos, Costa considerou fundamental que Portugal tenha “disciplina interna”, defendendo que deve maximizar a utilização das subvenções e limitar ao máximo o recurso a empréstimos.

O primeiro-ministro aproveitou a abertura da Convenção Nacional do PS, em Coimbra, para revelar que a versão final do Plano de Recuperação Económica até 2030, que tem a assinatura do gestor e professor universitário António Costa Silva será apresentada em 15 de Setembro.

“Temos de maximizar a utilização das subvenções e limitar ao máximo necessário o recurso a empréstimos, porque não nos podemos esquecer que continuamos a ser um dos países com uma dívida mais elevada. Depois da covid-19 e da recuperação, há amanhã. Não podemos estar a criar hoje para as gerações futuras responsabilidades que as gerações futuras não devem herdar”, alegou o primeiro-ministro na sua intervenção.

“Essa foi a batalha que travámos na Europa, mas é também a disciplina interna que temos de introduzir na execução do nosso programa”, frisou Costa, acentuando que “é fundamental uma visão estratégica para ancorar um vasto período de intervenção. Por isso, é fundamental termos um instrumento que assegure coerência ao longo dos anos face às opções hoje feitas e que, inevitavelmente, terão execução ao longo de vários anos”.

Neste contexto, o primeiro-ministro também considerou essencial a existência de coerência em termos de articulação entre plano de emergência económica e social já em curso e as opções do Portugal 2030. É essencial assegurar que o programa de recuperação “que é extraordinário e que tem um prazo de execução bastante mais limitado, até Fevereiro 2026, se articulará bem com o Quadro Financeiro Plurianual que se desenvolverá por dez anos até 2030”, disse, acrescentando:"Temos de escolher bem o que colocamos num e o que colocamos no outro. Devemos colocar naquele que tem um curto prazo de execução aquilo que temos a certeza que podemos executar no curto prazo (nova ponte sobre o Douro, nova linha de metro para as Devesas e expansão da Linha Vermelha do Metro de Lisboa). E devemos colocar naquele que tem maior prazo aquilo que sabemos que não poderemos executar mais rapidamente”.

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