A Universidade e o futuro do país

É tempo de a Universidade olhar para a Saúde e o SNS como uma oportunidade de progresso científico e de inovação com benefícios mútuos.

Defesa da liberdade e procura da verdade são a essência da universidade, a mais importante criação do espírito humano e o maior legado da Idade Média cristã e corporativa que se libertou do dogmatismo, incorporou a ciência e criou cultura e conhecimento. Neste período de desafio económico e social, a universidade é referência, não apenas pela responsabilidade do passado e da construção do futuro, mas também do presente.

A evolução da universidade portuguesa nas últimas décadas foi notável, quer pelo incremento do número de estudantes, diversidade da oferta formativa, expansão no território nacional e afirmação internacional. Publicações científicas de maior qualidade, posições relevantes nos rankings internacionais exigentes e procura por um número cada vez maior de estudantes estrangeiros são a tradução da sua qualidade, da participação na construção da ciência, do conhecimento e da cultura e da procura externa. A internacionalização da universidade é uma especialização europeia da qual não podemos abdicar.

Persistirá ainda a limitação, que vinha do meu tempo e que impedia as escolas médicas portuguesas de competirem no mercado académico internacional da educação médica? Defendi que seria inaceitável que o sistema universitário público fosse excluído de disputar esse mercado. Por duas razões fundamentais. Primeiro, pela medicina feita e ensinada em Portugal; tem qualidade, e ensinar é uma forma de afirmação dos países. Segundo, por razões económicas, como fonte de receita que aliviaria o sempre limitado orçamento anual das escolas médicas. Nada o impediria, desde que se salvaguardasse a responsabilidade pública de formar médicos portugueses. Hoje não se formam médicos nem outros profissionais para um espaço nacional; vivemos numa sociedade aberta e circula-se no espaço europeu mesmo com a covid-19. O meu receio é que, se continuarmos com a política de baixos salários e funcionalização na saúde e noutras áreas, os nossos melhores deixarão o sector público e alguns, o país.

Recordo, do passado, as limitações financeiras, orçamentos anuais que só o talento e empenhamento dos reitores e outros responsáveis permitiam ultrapassar as limitações de planeamento mesmo a curto prazo. Houve dois momentos de possível turning point. Um foi a introdução do modelo fundacional, proposta ainda de Mariano Gago, que não teve a aceitação esperada. Fundação sem fundos? — foi interpelação de figura académica que muito respeito. Mas julgo que correu bem nas instituições que o adoptaram, libertando-se do constrangimento do orçamento anual e das regras da função pública.

O outro momento foi a política de Convergência institucional pela fusão das Universidades Clássica e Técnica na Universidade de Lisboa (UL), que permitiu maior projecção nos principais rankings académicos mundiais, como o de Xangai.

O documento recente assinado por todos os reitores das universidades portuguesas que integram o CRUP é muito importante. Defende a universidade como farol de liberdade, de abertura à diversidade, à inclusão, herdeira assumida dos valores da civilização ocidental que marcaram a História. Há outras dimensões, que salvaguardando Unidade na Diversidade me parecem ser fundamental reforçar: condições para o exercício da sua missão, o que implicará outro modelo de financiamento plurianual e ambição. A criação da UL teve esse significado: apontar a estratégia de Convergência como um caminho para ganhar dimensão, competências e poder de afirmação internacional, sem perder carácter, diferenciação e autonomia e reforçando os núcleos de excelência no ensino e investigação. Isso e quebrar amarras institucionais, endogamia excessiva, rigidez burocrática uniformizante, e procurar inspiração em modelos de governação de instituições de referência, recrutando aí lideranças, se necessário. A interacção com o sistema produtivo tem sido um sucesso, mas é tempo de a universidade olhar para a saúde e o SNS como uma oportunidade de progresso científico e de inovação com benefícios mútuos. Continuamos sem uma política clara e consequente para a interface academia / saúde, chame-se hospital universitário ou centro académico clínico. Todos ganhariam! 

Esta crise tem de ser, também, uma oportunidade para construir ainda melhores universidades como factor essencial para o desenvolvimento do país e não apenas para adaptar novas estratégias de ensino que a pandemia impôs e acelerou.

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