Solidão em tempo de adolescência: pode não matar, mas dói

Com elevada prevalência na adolescência e com efeitos no bem-estar físico e mental, a solidão é já considerada uma preocupação de saúde pública. Os relacionamentos sociais são, inquestionavelmente, promotores de saúde.

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paulo pimenta

A solidão afeta todas as pessoas em pelo menos algum momento das suas vidas ou em circunstâncias particulares. Este carácter universal pode levar a uma desvalorização do sofrimento que provoca. No entanto, dependendo da frequência e da intensidade dos sentimentos de solidão, nem sempre pode ser tomada como um estado transitório, podendo tornar-se uma condição crónica.

É muitas vezes confundida com isolamento social. Embora associadas, pode estar-se socialmente isolado e não se sentir solidão ou pode sentir-se solidão sem se estar socialmente isolado. A solidão acontece mesmo sem isolamento social e tem uma dimensão subjetiva que reflete a forma como as pessoas percebem a sua vida social. Nos relacionamentos sociais, quando o que temos é menos do que o que desejamos, a solidão emerge.

Sendo uma experiência emocional negativa, está associada a sentimentos de falta, de vazio, de desligamento, que muitas vezes parecem mais intensos do que aquilo que é suportável. Neste sentido, a solidão dói e remete aqueles que a sentem para uma condição de profunda infelicidade, de recolhimento sobre si próprio, de vazio e desesperança.

É um fenómeno complexo e multifacetado que deve ser mais bem compreendido, dadas as consequências negativas que acarreta, principalmente no período da adolescência. Frequentemente investigada numa população sénior, tem igual ou superior prevalência neste período do desenvolvimento.

Com o crescente desejo de autonomia relativamente à família a par com a construção de uma identidade e individualidade próprias, os amigos e o grupo de pares assumem um papel central. Estabelecer e manter relações positivas com os outros, assim como ser aceite e reconhecido pelos pares, são aspetos fundamentais para um desenvolvimento saudável e harmonioso. Os relacionamentos sociais proporcionam a sensação de ligação com os outros, de pertença ao grupo, e têm também uma dimensão emocional que proporciona uma sensação de aceitação, com sentimentos de que se é compreendido e amado. Assim, a solidão tem vários rostos: pode ser social (falta de companheirismo) e/ou emocional (falta de intimidade).

É ainda no contexto do grupo de pares que se aprendem e desenvolvem aptidões sociais tais como competências de comunicação, de gestão e resolução de conflitos, de reciprocidade, de assertividade e de empatia. Nesta assunção, pode afirmar-se que a solidão pode não só matar, como mata mesmo. Constituindo-se como um fator de vulnerabilidade, mata a possibilidade de os jovens estabelecerem relacionamentos positivos com outros e mata a oportunidade de desenvolverem capacidades sociais imprescindíveis para o seu desenvolvimento social e emocional, com consequências no bem-estar e na saúde física e mental.

Adolescentes que sofrem de solidão têm menos possibilidades de serem aceites socialmente. Não se enquadrando naquilo que os pares consideram um comportamento normativo, estão mais sujeitos à rejeição, à exclusão e até à vitimização. Na saúde pode conduzir a uma desregulação do sistema imunitário, tornando estes adolescentes mais vulneráveis a contrair doenças. É ainda mais provável que iniciem comportamentos prejudiciais como o tabagismo, consumo excessivo de álcool e de drogas, obesidade e problemas de sono. A solidão está ainda associada e é preditora de sintomatologia depressiva, com a possibilidade de ocorrerem ideias de suicídio.

É, portanto, imperativo considerar a solidão uma preocupação de saúde pública e apostar na prevenção. Mas atenção às campanhas de prevenção: a solidão é estigmatizante. Muitas vezes entendida como uma “fraqueza emocional”, uma falha na concretização de um objetivo (fazer amigos), mesmo revelada no contexto de um relacionamento próximo pode ser sentida como um potencial fator de rejeição. Ainda, associada a baixa autoestima, leva estes jovens a não se considerarem suficientemente bons para que os outros gostem deles. Dizerem-lhes que não estão sozinhos é reforçar a teia que a solidão constrói.

É importante que os jovens adolescentes percebam os primeiros sinais, reconheçam o problema e procurem ajuda. Aceitar que precisam de ajuda pode ser o primeiro e o mais importante passo para enfrentar a solidão.

Fica a reflexão: quais as consequências do novo normal nos relacionamentos sociais dos jovens?


Investigadora do WJCR do ISPA – Instituto Universitário

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