Prisão perpétua sem liberdade condicional para autor de massacre de 51 muçulmanos na Nova Zelândia

Australiano permaneceu em silêncio ao longo de três dias em que tiveram voz 90 vítimas. Para “um crime como nunca tinha acontecido” uma condenação inédita no país.

Brenton Tarrant na sessão desta quinta-feira
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Brenton Tarrant na sessão desta quinta-feira Reuters/POOL
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Muitos neozelandeses juntaram-se às vítimas para as acompanhar durante a sessão LUSA/MARTIN HUNTER
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Junto ao tribunal a sentença foi recebida com alívio e emoção LUSA/MARTIN HUNTER
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Sobreviventes do massacre de Março de 2019 festejam ao saber da sentença LUSA/MARTIN HUNTER

Nem todos os muçulmanos da Nova Zelândia deixarão de ter medo, muito menos os que sobreviveram ao massacre 15 de Março de 2019 durante as orações de sexta-feira em duas mesquitas da cidade de Christchurch. Mas alguns vão dormir melhor a partir de agora. “Finalmente podemos respirar em liberdade, sentimo-nos seguros, os meus filhos sentem-se seguros”, disse Temel Atacocugu, baleado nove vezes na mesquita Al-Noor. “O sistema de justiça encerrou esta ideologia para sempre”, acrescentou, ouvido pela Associated Press.

Felicitando-se por Brenton Tarrant ter abdicado do direito a falar na audiência desta semana, quando se temia que a usasse como plataforma para o seu extremismo – e de ter escolhido não contestar a sentença de prisão perpétua sem liberdade condicional, pela primeira vez aplicada na Nova Zelândia –, o juiz Cameron Mander disse-lhe que os seus “crimes são tão perversos que mesmo a prisão até à morte não chegará para esgotar a punição e a denúncia” devidas.

“O ódio que está no coração da sua hostilidade a determinados membros da comunidade, que veio a este país assassinar, não tem lugar aqui – não tem lugar em nenhuma parte”, afirmou Mander.

O supremacista branco australiano chegou à Nova Zelândia com a intenção de preparar um ataque terrorista, acabando por se decidir a lançá-lo ali mesmo. Transmitiu parte do atentado nas redes sociais, onde publicara um extenso manifesto com motivações e planos, e preparou meticulosamente um plano que incluía o ataque a uma terceira mesquita. Já este ano, depois de se ter declarado culpado de homicídio e terrorismo, conseguiu fazer publicar uma carta com incitações ao ódio, à violência racista e à islamofobia no fórum 4chan.

“As suas acções foram desumanas” e a “perda deles é insuportável”, disse-lhe o juiz Mander, que enumerou vítimas e famílias destruídas pela carnificina que provocou, ao mesmo tempo que alguns familiares dos mortos choravam nas galerias do tribunal. “Não há pais que possam recuperar do assassínio de uma criança tão pequena”, afirmou ainda, referindo-se a Mucaad Ibrahim, o bebé de três anos morto “enquanto se agarrava à perna do pai”.

Tendo em conta “a gravidade dos crimes e a devastadora perda de vidas”, nenhuma sentença seria suficiente, disse ao tribunal Mark Zarifeh, o principal procurador do caso. “A enormidade dos crimes não tem comparação na história criminal da Nova Zelândia”, acrescentou, descrevendo o agora condenado como “claramente o pior assassino” do país.

No manifesto em que se definiu como um “extremista de direita” e citou referências e inspirações, incluindo a comentadora e activista de extrema-direita americana Candace Owens e o norueguês Anders Breivik, que em 2011 matou 77 pessoas (o australiano sugere que chegaram a corresponder-se e diz que partilham o objectivo de iniciar uma “guerra racial”), Tarrant explicou que a decisão de atacar a comunidade muçulmana na Nova Zelândia visava mostrar que “nenhum lugar do mundo é seguro”.

Medo e perdão

Aliviada por saber que “essa pessoa nunca mais vai ver a luz do dia”, a primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Ardern, admitiu que “o trauma de 15 de Março não é facilmente sarado”. “Hoje espero que seja a última vez que temos motivos para ouvir ou pronunciar o nome do terrorista” que “merece uma vida de silêncio total”.

“Foi um crime como nunca tinha acontecido na Nova Zelândia e agora vimos uma condenação como nunca antes tinha acontecido”, notou ainda Ardern.

Antes de terminar a audiência em que o juiz leu dezenas de testemunhos de muitas das 220 vítimas, textos sobre o impacto do atentado, o procurador Zarifeh notou que em muitos destes relatos está reflectivo o “medo real” de futuros ataques semelhantes, cita o jornal The Guardian.

Entre as 90 pessoas que falaram em tribunal houve quem gritasse a Tarrant, chamando-lhe monstro e o cobarde. “O seu crime está para lá da compreensão. Não consigo perdoar-lhe”, disse-lhe Maysoon Salama, mãe de Atta Elayyan, neozelandês nascido no Kuwait que foi guarda-redes da selecção de futsal da Nova Zelândia. Alguns conseguiram falar ao assassino de forma “suave, dizendo que o perdoam”, escreve o diário britânico.

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