Ser ou não ser transparente: uma questão que já não se coloca

Enquanto conceito multidimensional e maleável, sem uma definição universal, a transparência pode significar “tudo para todos”, materializando-se de formas muito distintas no vasto universo das Organizações de Economia Social.

A transparência é um conceito cada vez mais presente na realidade das Organizações de Economia Social, em Portugal e no mundo. Com o crescimento em número e visibilidade das Organizações de Economia Social em terras lusas, cresceu também o olhar atento perante as mesmas, tornando insuficiente para a sua legitimação o simples facto de terem uma missão que intitulam de “social”. O paradigma é agora outro: para que possam nutrir uma cultura de confiança, é imperativo que procurem demonstrar o que fazem, para que o fazem e como o fazem, sob uma lógica de responsabilidade e transparência organizacional.

O Edelman Trust Barometer de 2020, um estudo anual de confiança e credibilidade que se encontra na vigésima edição, advoga que a confiança está ligada à competência e ética das instituições e que, na sua construção, as instituições devem levar em conta não apenas o que fazem, mas como o fazem. O Trust Barometer deste ano revela que nenhum dos quatro sectores institucionais que o estudo mensura — Governos, Empresas, Organizações de Economia Social e Comunicação Social — é de confiança.

Ainda assim, conforme se pode analisar de seguida, as Organizações de Economia Social (NGO, na imagem) lideram sobre os outros sectores a variável relativa ao comportamento ético, mas, tal como Governos e Comunicação Social, são ainda percepcionadas como pouco competentes.

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Não obstante outros motivos, a perceção sobre a eficiência e a eficácia das organizações de economia social afetam a confiança colocada na legitimidade da sua atuação, sendo-lhes exigida gradualmente mais transparência e clareza na prestação de contas.

O que significa ser transparente para uma Organização de Economia Social?

A questão que surge hoje já não se prende com ser ou não transparente, mas sim com a multiplicidade de interpretações que habita a temática da transparência. Enquanto conceito multidimensional e maleável, sem uma definição universal, a transparência pode significar “tudo para todos”, materializando-se de formas muito distintas no vasto universo das Organizações de Economia Social.

O que para uns é um conjunto de instrumentos de transmissão de informação, para outros é um ingrediente necessário para a relação aberta que as organizações estabelecem com diversos stakeholders. O que para uns diz apenas respeito à obrigatoriedade de reporte de questões económico-financeiras, para outros liga-se ao diálogo e à capacidade de as organizações partilharem as suas contas, mas também a sua identidade, missão, visão, atividades, resultados e impactos. O que para uns é um universo vasto de boas intenções organizacionais, para outros é parte integrante da cultura e das práticas diárias da organização onde se inserem.

Independentemente das perspetivas relativamente ao significado de transparência, este é, hoje, um debate essencial. No universo de um sector marcado pela complexidade e volatilidade conjuntural em que, não raras vezes, a ação se sobrepõe à análise e faz erguer condicionalismos à reflexão, torna-se necessário perguntar: em Portugal, quantas organizações terão, até agora, alocado recursos para uma compreensão mais profunda do que significa transparência ou de como operacionalizar o conceito nos seus quotidianos? Quantas terão os recursos para o fazer?

Impõe-se, assim, a necessidade de começar por criar um chão comum, capaz de desafiar a complexidade da temática, (re)criar narrativas, significados e práticas que circundam este conceito e provocar mudanças palpáveis na forma como o sector se move e se afirma numa sociedade cada vez mais atenta e consciente.

É neste sentido que surge o projeto “Transparência nas Organizações de Economia Social Portuguesas”, promovido pela Área Transversal da Economia Social da Universidade Católica Portuguesa no Porto e apoiado pelo BPI/Fundação “la Caixa”. A iniciativa propõe fazê-lo não só contribuindo para o debate teórico-empírico em torno da eficácia das Organizações de Economia Social portuguesas, mas também através do desenvolvimento de um mecanismo online e de fácil utilização que permita alavancar práticas de governação e prestação de contas transparentes nestas organizações.

Parece-nos, portanto, basilar o papel da transparência nas Organizações de Economia Social, pelo potencial que contém de contribuir para o fortalecimento da confiança no próprio sector e na reconfiguração das relações com outros sectores em busca de valores partilhados. É necessário, por isso, compreender melhor conceito e prática, sobretudo porque nos parece impulsionar novos deslumbramentos, itinerários e evoluções.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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