Mas qual ilegitimidade?

A Ordem dos Médicos entregou ao Ministério Público um relatório técnico sobre os acontecimentos no lar de Reguengos de Monsaraz que levaram ao falecimento de 18 pessoas e à infeção por SARS-CoV-2 de mais 162 (80 utentes, 26 profissionais e 56 na comunidade). Foi um acontecimento dramático. Não se trata, infelizmente, de uma situação isolada. Consecutivamente, desde o início da pandemia e semana a semana, são noticiados surtos em estabelecimentos residenciais deste género.

Os residentes dos lares são pessoas idosas, algumas bastante vulneráveis, e consideradas um grupo de risco para a covid-19. Muitos destes residentes já sofrem de multipatologias que debilitam ainda mais a sua condição de saúde.

O relatório da Ordem dos Médicos é um elemento valioso para apurar a verdade dos acontecimentos e, sobretudo, para ajudar a implementar procedimentos que possam evitar a repetição desse evento dramático em qualquer sítio do país. Esta é, sem dúvida, a questão principal neste momento.

A realidade do lar de Reguengos de Monsaraz é a ponta do iceberg de uma situação que mereceria toda a atenção e a prioridade dos responsáveis do setor da saúde. Desde 8 de agosto, quando vieram a público algumas das dificuldades e deficiências detetadas no lar, a questão central passou a ser a legitimidade da auditoria e do relatório. É preciso muito descaramento!

De um momento para o outro, a falta de condições do lar, a resposta tardia, as vidas que se perderam, as pessoas que adoeceram deixaram de ter importância e o assunto principal passou a ser de ordem jurídica. Raramente assisti a uma tentativa de desviar a atenção de forma tão impudente, tão desonesta e tão insensível como esta.

Em vez dos governantes se preocuparem com as condições do lar, com as insuficiências relatadas em lares de vários pontos do país, e até com a questão preocupante dos lares ilegais no contexto da pandemia covid-19, assim como com o lado humano e social, o discurso ganhou uma tonalidade bélica inesperada. Neste contexto artificial, qualquer argumento só tem como objetivo abafar os acontecimentos e as responsabilidades que deverão ser necessariamente apuradas.

O combate à covid-19 não é feito nem com regedoria fútil nem com acusações difamatórias aos médicos. Este combate trava-se no terreno, dando o melhor de cada um, de forma responsável, aos que mais precisam de cuidados de saúde. Não há ilegitimidade quando se luta pela dignidade humana.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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