Os “pequenos fantasmas” que Helen Bur retrata são tesouros perdidos na cidade

Estar num local ao mesmo tempo que Helen Bur pode significar que o nosso “pequeno fantasma” vai ficar para sempre lá. A artista inglesa retrata pessoas que encontra fortuitamente vistas de costas e pinta-as em locais escondidos de uma cidade. “É como uma caça ao tesouro.”

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Sentada no chão, em cima de uma almofada, com a roupa, as mãos e os auriculares cobertos de tinta: é assim que encontrámos Helen Bur em Figueiró dos Vinhos, onde esteve para marcar presença no Fazunchar, o festival de arte urbana que aconteceu nesta vila no distrito de Leiria, entre 15 e 23 de Agosto. À sua frente, está a nascer o desenho de alguém de costas. Para já, vemos uma cabeça e um tronco e podemos dizer que é um homem.

A artista de Brighton veio até Portugal para deixar “pequenos fantasmas” espalhados pela vila. Com uma “escola de arte tradicional”, encontrou na rua a liberdade que o estúdio e as telas não lhe davam: “Estava um pouco desiludida com a arte que consistia puramente em criar objectos para vender ou expor em galerias”, conta. A arte urbana, por sua vez, permite-lhe contactar com a comunidade e deixar de olhar para a arte como um “objecto capitalista”.

O fascínio que sente por pessoas dá-lhe “uma fonte inesgotável de inspiração”. Nas telas, pinta-as a realizar uma acção, seja a segurar uma bola ou a tapar os ouvidos (“Interessa-me como nos ocupamos para encontrar o nosso propósito”), e, nas ruas, pinta-as em murais — gigantes ou pequeninas, de costas, como fez em Figueiró dos Vinhos.

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Pertencem à série Little People e são retratos de pessoas reais vistas por trás. Resultam de encontros fortuitos e da curiosidade que Helen sente por quem passa. “Estou num local, encontro uma pessoa e tiro-lhe uma fotografia de costas de forma discreta”, explica. “Talvez não seja muito legal”, acrescenta, entre risos. Depois, pinta essa pessoa, com o traço realista que a caracteriza, numa parede, numa caixa de electricidade ou numa porta abandonada. Sempre em “tamanho de criança”, até para melhor interagir com elas.

“Gosto da ideia de que, ao andar na rua, te podes cruzar com algo que está escondido. É como uma caça ao tesouro”, refere. Em Figueiró dos Vinhos, já há muitos tesouros para serem encontrados. A vontade da artista de 29 anos é que, “quando essas pessoas voltarem ao local [onde estão pintadas], se consigam reconhecer”. E ainda que nunca nos tenhamos visto de costas, quem esteve pela vila nestes dias garante que é fácil identificar os retratados.

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E quando as pessoas se reconhecem? “É muito bonito.” Por “não ser muito agressivo” e por ser um retrato “secreto”, uma vez que é de costas, Helen acredita que “a maioria das pessoas gosta”. E, para quem ainda não se viu, fica a vontade de percorrer as ruas à procura de si. É uma questão de sorte. Ou talvez não.

“Às vezes penso que as pessoas vão ser interessantes para pintar e, quando tento, não funciona. Mas normalmente tenho um sentido. Há algo na forma como alguém está a andar à volta, como anda, ou algo sobre si que me interessa”, refere. Muitas vezes, essas pessoas que a cativam são os “marginais”. “Interesso-me pelo que está fora do ideal de estética.”

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Na sua cabeça, já está a desenhar um projecto em 3D com os retratos que vai deixando nas cidades. A ideia é construí-los em versões tridimensionais que possam ser instaladas nas cidades. São as pessoas, sempre. “Talvez mais tarde me mude para o campo.”

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