“Ter uma vacina fraca é pior do que não ter nenhuma.” Cientistas alertam para o risco de fracasso da vacina russa

Há um consenso de que uma má vacina poderá fazer estragos no desenvolvimento de futuras vacinas, já que há a hipótese de o vírus não ser anulado, sofrer uma mutação e evoluir para escapar ao tratamento.

Ratos, macacos, humanos: os caminhos de uma vacina até ao mercado CAROLINA PESCADA

A Rússia deverá distribuir a sua vacina para a covid-19, a Sputnik-V, antes do final dos ensaios clínicos. A decisão preocupa vários imunologistas e virologistas, já que uma eficácia parcial da vacina poderá motivar uma mutação do vírus.

Entrevistados pela Reuters, alguns cientistas mostraram-se cépticos quando à velocidade com que a Rússia desenvolveu uma vacina. Os resultados dos ensaios clínicos são desconhecidos e os cientistas criticaram o seu uso até todos os testes por parte de entidades internacionais e reguladores de saúde terem aprovado a vacina.

A preocupação deve-se à capacidade que o vírus SARS-CoV-2, o vírus que provoca a covid-19, tem de evoluir. Os vírus, como o SARS-CoV-2, estão em constante mutação. Isto não causa um impacto significativo no risco de infecção, mas uma vacina que não consiga proteger completamente do vírus poderá levar a uma maior resistência do vírus ao tratamento, limitando, desta forma, o possível sucesso de outras vacinas e tratamentos. 

“Uma protecção pouco completa pode levar a uma pressão de selecção que leva o vírus a evadir-se do anticorpo presente, criando alterações que podem escapar a todas as vacinas”, disse à agência Reuters Ian Jones, professor de Virologia na Universidade de Reading, no Reino Unido.“Neste sentido, ter uma vacina fraca é pior do que não ter nenhuma”, explicou. 

Kathryn Edwards, professora de Pediatria e especialista em vacinas na Faculdade de Medicina da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, alertou também para o facto de que o que a vacina poderá fazer ao vírus “é sempre uma preocupação”, devido às suas mutações.

Outro cientista americano, um especialista no Centro Médico Beth Israel Deaconess, em Harvard, Dan Borouch, referiu que, apesar de a taxa de mutação do SARS-CoV-2 ser menor do que a do VIH (o vírus que provoca a sida), “há muitas potenciais desvantagens em usar uma vacina que não funciona”. No entanto, Borouch salvaguarda que “o risco de que possa sofrer uma mutação é um risco teórico”.

Os cientistas afirmam que uma pressão evolutiva semelhante pode ser vista em bactérias, que evoluem e adaptam-se ao tratamento para criar resistências. A Organização Mundial de Saúde (OMS) já tinha feito saber que o crescimento de superbactérias e a resistência a antibióticos é uma das maiores ameaças à saúde global, à segurança alimentar e ao desenvolvimento.

Ian Jones garantiu que as mutações desenvolvidas através de vacinas são “um resultado raro”, e quanto maior for a eficácia da vacina em bloquear a capacidade do vírus de entrar nas células e se multiplicar, menor é o risco de o vírus ter uma oportunidade para circular e “aprender” a fugir aos anticorpos.

“Se uma vacina for completamente esterilizante, o vírus não consegue entrar e, portanto, não consegue aprender nada, porque nunca teve a oportunidade. Mas se entrar e se multiplicar, há uma pressão selectiva para que se evada de quaisquer anticorpos que possam ter sido gerados por uma vacina pouco eficiente. E não sabemos no que isso poderá resultar.”

A OMS também alertou para as mutações do coronavírus e pediu que o seu impacto fosse mais bem investigado. Uma epidemiologista da organização, Maria Van Kerkhove, anunciou esta sexta-feira que “um grupo de trabalho especial foi criado para identificar as mutações”. E estamos a ver como podemos entender melhor o que a mutação significa e como se pode comportar”, adiantou.

A Rússia anunciou na quinta-feira que deverá começar a testar a vacina em larga escala com 40 mil pessoas, mas também informou que seriam testadas pessoas em grupos de risco, como profissionais de saúde, antes de os resultados do ensaio serem conhecidos.

Os cientistas que desenvolveram a Sputnik-V, assim como os investidores do projecto e as autoridades russas dizem que a vacina é segura e que dois meses de ensaios em humanos numa pequena escala mostraram que é eficaz.

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